30.1.07

Paris Paris

Eu disse pro Gustavo e pra Melissa, vida de imigrante novinha em folha, nem quinze dias de Oropa. Eu disse: quando sentirem saudades do Brasil, lembrem-se que sempre haverá Paris. Porque Paris ô-ô é um pouquinho disso aqui iá-iá: bagunçada, barulhenta, caótica, contraditória, mestiça. Tipo um Rio de Janeiro ao quadrado na conta daquela beleza de cidade que foi capital de Império, carros queimados incluso.

Paris é reggae, rap, drum’n’bass. Paris é samba. Paris tem a Sorbone e uma porrada de brasileiros estudando lá. Ciências Sociais, coisa assim. Em Paris se mija de pé, o que em Berlim pega mal. Aliás, em Paris se mija aonde se quiser. Eu mesmo dei uma mijadinha no pátio do Louvre. Mijada clássica.


Paris são várias garrafas de bordeaux bagaceiro de três pila enxugadas em caminhadas de mil quilômetros.
Paris é uma fortuna em tesouros roubados, uma catedral gótica associada para todo o sempre a um corcunda, o espírito de Jim Morrison à espreita em cada ponta.
Paris são centenas de túmulos célebres.
Paris é uma sucursal da China, as glórias do passado, La Gioconda e milhares de turistas idiotas batendo foto com celular.
Paris são os delírios de Napoleão, os delírios de André Breton, os delírios de Godard, que diga-se de passagem era suíço.
Paris é um monte de gente morando na rua, louca, meias furadas, falando sozinha.
Paris é o sopão dos pobres servido na Place de la Republique às oito da noite.


Paris é um reveillon na casa do embaixador do Brasil na Unesco. Très chic, mon cher. Bem ali no 16eme, a Torre Eiffel cheia de luzes, piscando a alguns metros da sacada. Juro pela minha mãe. Só fui dar conta da dimensão da coisa quando vi na parede os quadros do Amilcar de Castro. Legítimos, é claro. Assim como o champanhe. Cada qual com a sua nacionalidade.


Paris é sair da casa do embaixador e ser barrado no Rex Club sob a alegação do petulante do segurança que eu estava bêbado demais, ora se não é um absurdo? Paris é a festa Chocomix no porão de um boteco fuleiro chamado Zorba. Bonne Aneé Sound System, dizia o panfleto. Paris é o mash up mais bizarro que eu já ouvi na vida: “Blame it on the boogie” com “Should I stay or should I go”. E quem não dance que segure o infante.

Paris também é a banda de punk pra crianças Dragibus. A retrospectiva do Yves Klein no Centro Pompidou. A lojinha Bimbo Tower especializada em “experimental, musique concrète, rock’n’roll freaks, art core, minimal wave, post-punk, electro yabai, poèsie sonore and japanese noise”.

Paris são vans grafitadas em movimento.
Paris é um super-8 rodado às margens do Sena.

E Paris ainda é um despertador que não conseguiu me despertar às seis da manhã e quase um trem pra Amsterdam perdido.

Mas Paris, Paris não é Amsterdam.

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29.1.07

Um mês de Oropa em roupa suja

(Primeira das três crônicas de viagem lidas no programa da Kátia)

Cheguei na lavanderia do Flávio com um mês de Oropa em roupa suja. Acreditando que o Flávio se referia ao Bom & Velho Continente e não às roupas quando mencionou "um banho de civilização", fui obrigado a concordar com o clichê. Com uma cacetada de anos à frente de nós, americanos por assim dizer, no quesito história os europeus são o que podemos realmente chamar de um povo civilizado pra caralho. O fato é que eles vivem em cidades há muito tempo e sabem como se comportar nelas. Em se tratando de Berlim, cidade que foi reerguida dos escombros da Segunda Guerra, o buraco é bem mais fundo, tão fundo quanto o fosso que serve de base prum arranha-céu. Aliás, fosso é o que não falta em Berlim. Desde a segunda metade dos anos 40 a cidade é um verdadeiro canteiro de obras. Com a possibilidade de recomeçar do zero, após o final da Guerra, os berlinenses não vacilaram em criar um espaço urbano belo, organizado e altamente funcional. Em Berlim prédios antigos e exuberantes da época do Kaiser Guilherme convivem harmonicamente com construções arrojadas, contemporêneas e não menos exuberantes. O sistema de transporte coletivo, com sua linha interligada de trem, metrô e ônibus, é tão eficaz que chega a parecer algum tipo de fantasia pra nós brasileiros. Uma cidade segura, livre da paranóia da violência epidêmica, arborizada (ainda que no inverno as árvores fiquem peladinhas, peladinhas), com um trânsito ordenado de carros, pedestres e bicicletas que flui fácil pelas vias largas e bem pavimentadas.

Culturalmente, Berlim também é um caso à parte, o chamado Muro da Vergonha que dividiu estupidamente a cidade durante quase 30 anos, o maior exemplo de qualquer particularidade cultural. A austeridade e o pragmatismo dos alemães, as sequelas morais da loucura nazista e os traumas da Guerra Fria criaram nos berlinenses um forte senso de liberdade, tolerância e respeito ao próximo. Some a isso a presença maciça de pelos menos cinco gerações de imigrantes turcos (as primeiras delas compostas por famílias de operários contratados para trabalhar na reconstrução), além de pessoas de todas as partes do mundo convivendo pacificamente no pleno espírito cosmopolita e teremos uma cidade que é total multi-culti, como gostam de dizer seus próprios habitantes. É bom lembrar que a grande maioria dos berliners sequer é nascida em Berlim, quase todos imigrantes de alguma parte do globo ou da própria Alemanha. Berlim, que mesmo sendo capital é uma espécie de filha bastarda da portentosa Germânia, orgulhosa da outra filha Munique, centro financeiro do terceiro país mais rico do planeta, Berlim acolhe esses globetrotters com gentileza. E com muita ordem, que é pra tudo funcionar direitinho. Berlim de bicicletas soltas pelas ruas de Kreuzberg, culinária fast food multi-culti de kebabs, pizza e salsicha com curry, clubes de música e sexo eletrônicos, punks anti-nazistas nada de butique, prefeito gay e love parade de um milhão de pessoas onde uma amiga, a Verrronika, foi mordida por uma cobra. Berlim dos executivos de Postdamer Platz bebendo Metropolitan no balcão do Billy Wilder's, de nigerianos congelados vendendo maconha em Goelitzer Park. Berlim, onde o Bowie gravou tês discos perfeitos produzidos pelo Brian Eno. Berlim, a cidade mais cool do planeta.

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24.1.07

Crônica escrita em novembro de 2006, na ocasião da viagem dos nossos queridos Gus e Sissa.

So long Gus and Sissa

A essas horas eles devem estar no meio do mar em sua travessia transoceânica. A bordo do cargueiro Alianca Mauá que até ontem nem sabiam o que carregava. Partiram atulhados de malas (duas só de livros) numa viagem sem volta. Vinte dias no mar desértico e depois a vida inteira em terra estrangeira. Imigrando em busca de um sonho, o tipo de viagem que não se mede em quilômetros.

Ser artista nesse país não dá pé, me confidencia antes da partida o Gustavo que certamente puxará conversa com o capitão que provavelmente será polonês. Talvez bebam brandy na noite fria, o som contínuo das ondas embalando a conversa muda de dois homens do mar. Na bagagem de mão, livros de grandes navegadores: As cartas de Colombo, uma biografia de Nassau e o Grande Sertão: Veredas (que dá no mesmo).

Melissa levará pro Velho Mundo sua beleza & bondade de deusa, abarcando no trajeto o mar inteiro com seus olhos gigantes. Enquanto desmantelava o apartamento, Melissa deixou na prateleira pequenos presentes, lembranças (livros principalmente), com os nomes dos amigos marcados em etiquetas. Pra buscar depois.

Eu (além de alguns livros) ganhei um porta-retratos de vidro com uma foto da musa clicada pelas lentes apaixonadas do marido. Melissa e sua beleza cinematográfica de rainha de filme mudo. Coloquei seu retrato num ponto estratégico da estante, de onde posso olhá-lo sempre que sento no meu pufe predileto. O amor tem dessas coisas.

Saudade pode ser imediata? Saudade passa? Saudade mata?

Não vejo a hora de fazer uma visita a esses dois. De avião chego em tempo de dar as boas vindas.

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23.1.07

Pois então, crianças,

Demorou, mas rolou!
Vencendo a enorme preguiça tecnológica que me acomete aqui está meu primeiro blog, que é pra desovar um pouco da minha, digamos, produção textual. Por aqui devem aparecer textos inéditos, velharias, reportagens, poeminhas, mini-contos, divulgação de festas, as crônicas que venho fazendo no Talk Radio da Kátia Suman (na Ipanema FM, todas as sextas, ao meio dia), além de trechos desse infindável e já quase abortado livro do Garagem. Se algum amigo aí (alô, alô, Ricardo!) quiser dar uma força no lay out deste Foguete Formidável, agradeço.

Esta primeira postagem foi só pra dar hello mesmo. O bicho começa a pegar a partir de amanhã, ok?

Best wishes,
lio.