28.2.07

A farmácia na prateleira

(A velharia inédita abaixo tem uns bons (& velhos) 7 ou 8 anos. Não sei por que razão foi escrita, mas sei de onde veio a inspiração: do livro The Rolling Stone Book of The Beats, uma seleção de artigos, textos ficcionais e entrevistas sobre a Geração Beat, publicados nos últimos 40 anos na prestigiada revista . Baita livro. Lá no meio, tinha esse Key Works of Beat Drug Literature, uma lista compilada pelo escritor Michael Horowitz com as obras fundamentais da literatura Beat e as drogas nelas presentes.)

Percebo que durante a adolescência estava muito mais interessado em drogas do que em sexo (se bem que com uma quantidade daquelas de química no corpo até o Michael Douglas ficaria blasé). As sessões eram, na maioria das vezes, nos finais de semana, em casa. Um grupo seleto experimentava de tudo um pouco (ou muito): maconha, haxixe, anfetamina, ácido, lança, cheirinho, benzina, cocaína, heroína, hipofagin, dualid, inibex, artane, tylex, elixir paregórico, chá de cogumelo, chá de cartuxo, dama-da-noite, nós moscada e até café. Em quantidades cavalares. Com borra e tudo. Tinha o nome besta de Café Árabe.

O procedimento era pedagógico pra caramba. Super-embasado, com toda uma literatura por trás. Livros que, se não nos abriam as portas da percepção, nos faziam ao menos bater à do traficante mais próximo. Tudo culpa do proselitismo lisérgico do Timothy Leary e da prosa alienígena do Burroughs. Alguém aí falou em apologia?

Aqui vão alguns livros que fizeram as nossas cabeças:

"Confissões de um Comedor de Ópio" (1821) / Thomas de Quincey
Láudano (tintura alcoólica de ópio)


"O Clube dos Haxixins" (1831) / Théophile Gautier
Haxixe, ópio


"Ópio – Diário de uma Desintoxicação" (1930) / Jean Cocteau
Ópio


"Haxixe" (1940) / Walter Benjamin
Haxixe

"Junky" (1953) / William Burroughs
Heroína/cocaína/maconha/anfetamia/benzedrina/barbitúricos e outras drogas


"As Portas da Percepção" (1954) / Aldous Huxley
Mescalina


"Uivo e outros poemas" (1956/1960) / Allen Ginsberg
Maconha/alucinógenos e outras drogas


"On The Road" (1957) / Jack Kerouac
Maconha/benzedrina


"Os Subterrâneos" (1958) / Jack Kerouac
Maconha/anfetamina


"Almoço Nu" (1959) / William Burroughs
Heroína/cocaína/maconha/anfetamia/benzedrina/barbitúricos e outras drogas


"Cartas do Yage" (1963) / William Burroughs e Allen Ginsberg
Ayauasca


"O Teste do Ácido do Refresco Elétrico" (1966) / Tom Wolf
LSD/maconha/anfetamina e outras drogas


"Flashbacks" (1984) / Timothy Leary
LSD/psilocibina e outras drogas


Leo Felipe já abandonou a literatura acerca das drogas assim como as próprias. Não bebe, não fuma, não cheira e só lê publicações acadêmicas.

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27.2.07

Quinta, 01/03 (ou seja: depois de amanhã), tem show dos SUEDEHEADS. A banda, formada por Cris Wortmann e André Lasset (ZeroDoze), Jojô e Guilherme Netto (Stratopumas) e Leo Felipe (eu!), interpretará grandes hits do grupo fundamental da década de 1980, The Smiths. No repertório, clássicos como "There's a light that never goes out", "This charming man", "Ask" e "Bigmouth strikes again". A partir da meia-noite no Dr. Jekyll, com ingressos a R$7.

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26.2.07


Quarta próxima tem mais uma edição do mini-mundo sem comercial. O evento foi arquitetado pelo aglutinador Paulo Scott, que sempre consegue juntar uma turma bacana em todos os iventos que ele inventa. É aquele formato do antigo Pocket - com música, literatura, humor e papo furado - só que dessa vez lá no Elo Perdido. A partir das 19h30. Acho que é de graça, mas não tenho certeza.

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23.2.07

Tem que passar pelo Chuí
(Crônica de Viagem #4)


Talk Radio de 23/02

Não que o nível tenha caído. Apenas a distância diminuiu. As primeiras crônicas falavam da Oropa, aquele Velho-Continente-Do-Outro-Lado-Do-Oceano, berço da civilização. Dessa vez foi mais perto e bem menos glamuroso. Mas o olhar do cronista segue capturando a vida ao redor. Ainda que fosse à Canoas. O que importa é o deslocamento.

Viagem internacional! Nove horas de carro e já é outro país. Problemas na injeção eletrônica e parada na concessionária em Pelotas incluídos na conta. Pra chegar no Uruguai tem que passar pelo Chuí, o que significa um estoque de bebida importada sem imposto. Pra chegar no Uruguai também teve a maior tempestade dos últimos tempos. Cena de cinema-catástrofe. Carros paradosna pista em meio a vento, chuva & neblina intransponíveis. Um horror. No som os Doces Bárbaros cantando peixe no aquário nada como se nada acontecesse.

Problemas na injeção eletrônica, parada na concessionária em Pelotas, a maior tempestade dos últimos tempos e como se não bastasse a praia completamente lotada sem um mísero casebre pra alquilar. Quem mandou não reservar. Dentro do carro o estresse é tão espesso que dá pra cortar com canivete. O suíço que eu levo na mochila. No olho do furacão e a gasolina na reserva. Nervos à flor da pele: melhor maneira de se começar um feriado. Essa é a hora em que se rompem namoros, amizades, casamentos. Um desvio pra Castillos, cidade-cenário de filme bang-bang, e a dica do frentista salva, senão a pátria, os namoros, as amizades e os casamentos. Além do feriado, é claro.

Dias ensolarados e noites estreladas sucederam à maior tempestade dos últimos tempos. Sempre com aquele ventinho frio que vem lá da Patagônia, perfeito pra usar um casaquinho descolado ou dormir de conchinha. Feriadão buena onda em Águas Doces. Estoque de bebida importada sem imposto detonado em dois dias. E aí sobra mais tempo pra curar a ressaca. Corpo besuntado de protetor, estirado na areia embaixo do guarda-sol (todo cuidado é pouco). Longos banhos de mar, limpeza espiritual à base de sal marinho. Gastronomia sem gastar muito de pancho com panceta e pizza de morrón e muzzarela.

No caminho de volta, em preparação psicológica pra abraçar a pesada bigorna da realidade, tem que passar pelo Chuí - o que significa um novo estoque de bebida importada sem imposto e o resto da vida pra curar a ressaca.

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22.2.07

Track list do feriadão buena onda:

1) Smile - Lily Allen
2) The Guns of Brixton - The Clash
3) Os Mais Doces Bárbaros - Doces Bárbaros
4) La Vie En Rose - Grace Jones
5) Big Sur - The Thrills
6) I Can't Give you Anything But Love - Billy Holiday
7) One More Time - Daft Punk
8) Dance A Little Bit Closer - Charo
9) Galvanize - The Chemical Brothers
10) Wooh Alright Yeah! - The Rapture

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O beijo de Bardot e Birkin ilustra o lindo flyer da próxima Pulp B.Sides, agora no Cabaret do Beco.
Djs Lio, Hell e Drégus animando o festim, que acontece amanhã (sexta), dia 23/02, a partir das 23h.
R$ 12 (valendo uma cerveja).

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15.2.07

Escritos de Artistas

(Crônica do Talk Radio de 16/02)

Dica de leitura pra equilibrar os bundalelês carnavalescos com um pouquinho de arte e cultura. Se me permitem, é claro.

O título do livro é auto-explicativo: “Escritos de Artistas Anos 60/70”, uma compilação de textos teóricos e ficcionais, cartas, entrevistas e manifestos escritos por alguns dos principais nomes da arte contemporânea.

As pesquisadoras Glória Ferreira e Cecília Cotrim, ambas com respeitáveis currículos acadêmicos, são as responsáveis pela compilação que explora temas como "a definição, a intenção e o local da arte, processos produtivos de uma obra, novas mídias e a relação entre arte e política". Ou seja: tópicos pra lá de pertinentes pro debate crítico da história da arte de nosso tempo. Estão lá representados os movimentos artísticos mais importantes da segunda metade do século XX: minimalismo, pop art, Arte Povera, arte conceitual, arte postal, Fluxus, land art...

A lista de autores/artistas não é menos impressionante: Joseph Beuys, John Cage, Donald Judd, Richard Serra, Frank Stella, Jasper Johns, Claes Oldenburg, Sol LeWitt, Piero Manzoni, George Maciunas, Paul Sharits... E ainda os brasileiros Hélio Oiticica, Lígia Clark, Paulo Bruscky, Artur Barrio, Cildo Meireles...

Por trás do aparente cabecismo, “Escritos de Artistas” se mostra um livro gostoso de ler, indicado para leigos a fim de se inteirar da coisa sem haver engano (como diria o Luiz Melodia). Todos os textos, apresentados em ordem cronológica, são acompanhados de notas introdutórias que trazem pequenas biografias dos artistas e o contexto no qual foram publicados originalmente.

Três destaques:

“Manifesto do Chelsea Hotel” foi escrito em 1961 por Yves Klein. A referência ao célebre hotel da boemia novaiorquina aponta o novo local para onde a produção da arte mundial iria migrar a partir dos anos 60, saindo de seu centro original, a Europa, em direção aos Estados Unidos. Neste texto publicado pouco antes da precoce morte de Klein, o genial criador dos blue monochromes propõe a conquista do espaço através da expansão da sensibilidade humana. É a proposta de uma arte mística, imaterial e absoluta.

O norte-americano Allan Kaprow, tido como o criador do happening, é o autor de “O legado de Jackson Pollock”, de 1958. Através da análise da obra do inventor da action painting, Kaprow prevê o futuro da produção artística dos anos 60 em sua associação entre arte e o cotidiano. As teorias de Kaprow, expostas de forma clara e objetiva, se deixam impregnar por uma escrita poética, digna dos melhores autores.

Diferente de Klein e Kaprow, que crêem na indissociação entre arte e vida. Ad Reinhardt diz que “a arte é arte, a vida é vida”. “Arte-como-arte” foi publicado pela primeira vez em 1962 e apresenta um ponto de vista no mínimo polêmico em meio ao debate artístico dos anos 60. “Artistas que alegam que suas obras vêm da natureza, da vida, da realidade, da terra ou do céu”, escreve o autor, “são objetivamente e subjetivamente tratantes ou grosseiros”.

Como diria a minha avó, dá pano pra manga. E isso que eu estou ainda na página cem e o livro tem quase quinhentas. O lançamento é da editora Jorge Zahar, 50 pila nas melhores casas do ramo.

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12.2.07

Leo the lion
(Não sei onde eu estava com a cabeça quando escrevi esse (não sei se dá pra chamar de) conto. Provavelmente no José Agrippino de Paula e seu Panamérica que li há uns 3 ou 4 anos, mesma idade do (não sei se dá pra chamar de) conto. Cultura pop, neologismos sem sentido, humor idem e uma overdose de anglicismos são alguns dos elementos presentes neste pequeno texto que sofre de crise de identidade.)

Leo the lion saiu do esconderijo secreto com sua capa voadora hipermeável de poderes sobrenaturais disposto a fazer o bem. Além da capa (vermelha como há de ser a capa dos bons supereróis), usava um jeans meio rasgado nos joelhos (displicentemente cool), coturnos de couro cru e uma camiseta azul com seu emblema de young superhero: um leão assim meio rasta de juba multicolor bordada com linha de ouro e ponto de exclamação! Lindamente onírico, o emblema transmitia ou resplandecia um halo de vapores estupeficantes que eram actually o poder exclusivo de Leo the lion (a maioria dos supereróis podia voar, dar superpulos e supersocos, correr muito rápido, entortar barras de ferro, atravessar paredes, dar supercabeçadas, escalar edifícios com as unhas, arrastar ônibus com os dentes, enxergar e ouvir superbem, foder centenas de vezes consecutivas e ficar ao menos duas horas embaixo d’água sem respirar, alguns poucos supereróis tinham superinteligência mas isso era a minoria mesmo e ainda havia aqueles que tinham poderes superespecífcos normalmente associados à algum tipo de artefato, adereço, arma, roupa, superobjeto etc. Guitar Hero, por exemplo, empunhava uma superguitarra que emitia acordes dissonantes por cinco mil alto-falantes acoplados a seu capacete – solos mortais. Ray Girl usava uma tiara de superdiamantes que valia uma fortuna e emita raios alfa, beta, gama, delta, laser, x e que-os-partam. Duchamptron carregava mictórios explosivos que arremessava em caretas, falsários e trambiqueiros do alto mundo dos artes, o que incluía praticamente everybody. Vahala Slut levava na bolsa supergiletes afiadíssimas de cobalto inquebrável superenvenenado. Homero, meio old fashion, tinha uma superespada. Zombie Wolf não tinha superobjeto nenhum, apenas um superbafo paralisante, enfim). Os coturnos de couro cru traziam embutidos na sola artigos de extrema importância – lâminas, cabos de aço, fósforos, camisinhas, coisas do tipo – que nem o tradicional cinto de utilidades que outros supereróis usavam, mas como Leo the lion primava pela originalidade não usava cinto. A calça, meio caída na cintura deixando à mostra a barra da cuequinha, não tinha superutilidade nenhuma mas era cool. Seu supertraje tinha sido confeccionado por um estilista brasileiro de renome internacional, creio que Alexandre Herchcovitch.

Leo the lion entrou no primeiro bar e pagou uma rodada pra todo mundo. Eram três da tarde. Os clientes, um bando de velhinhos encardidos tomando ceva e pinga e duas velhas não tão velhas mas tão horrorosas que nem os velhos pegavam, urravam em êxtase:

Viva Leo the Lion com ponto de exclamação!

Leo the Lion é o maioral – dizia um negão com voz de malandro lá do fundo dando um gole da pinga.

Umas das velhas não tão velhas mas tão horrorosas que nem os velhos pegavam, provavelmente no maior dos atrasos, pediu a Leo the lion que chupasse a sua bucetíssima xoxota e o nosso bravo supererói na obrigatoriedade com a qual se impunha na mais simples das disposições curvou-se humildemente feito cão servil e lambeu a cona da velhaca. O odor nauseoso encheu-lhe de engulhos. Perseverou. Fez gozar a velha que soltava gritinhos de ai-ai-ai-meu-bem e afagava a cabeleira de Leo the lion (a outra obviamente pediu the same, ô gente mais sem imaginação).
Leo the lion saiu do bar e encontrou uma menina na calçada:

Leo the lion, paga um sorvete?

Não querida – respondeu Leo the lion – meu superdinheiro não é capim pra ficar superdesperdiçando desse jeito. Você não pode confundir a minha disposição de fazer o bem com a idéia de que eu tenha que comprar coisas pra todo mundo, compreende?

Leo the lion deu um superpulo que atravessou dois continentes. Parou na China. Não sabia chinês e superpulou de volta.

A China é um país estranho – conjeturou Leo the lion.

Sim eu sei – disse um senhor que passava – andei uma temporada na China em 1965 fazendo um curso de guerrilha que incluía tática militar, tiro, disfarces, explosivos e falsificação de documentos. Conheci Mao Zedong pessoalmente. Não entendia nada do que ele dizia. Os chineses são mesmo estranhos – levantou a beira do chapéu, um chapeuzinho coco tipo de inglês de filme, deu um rodopio com os calcanhares e entrou no bar.

Criaturinha implausível – pensou Leo the lion.

Leo the lion avistou Vahala Slut na outra esquina, dava navalhaços em gigolôs sacanas. Atravessou a rua na faixa de pedestres, apertando o botãozinho e esperando o sinal dos carros fechar ainda que não passasse carro algum. Repreendeu um pai que atravessava a rua correndo de mãos dadas com o filho:

Você tem que ensinar a criança a respeitar as leis de trânsito com ponto de exclamação!

No outro lado da rua comentou com a Vahala Slut (supereroína supermanjada na praça na ativa desde os seventies fiel defensora das minorias majoritárias) da terrível boa ação do dia.

Minhas disposições heróicas não incluem favores sexuais – disse Vahala Slut – só como quem eu amo. Sexo pra mim é sagrado. Acho que tem a ver com a minha educação católica.

Leo the lion reclamou do gosto de buceta velha na boca.

Você tem que incluir uns chicletes no seu cinto de utilidades, ou melhor, nos seus coturnos de couro cru de utilidades, esqueci que você não usa cinto.

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9.2.07

No meu bunker quarto-e-sala

(Crônica lida no Talk Radio de 09/02)

No refúgio do meu bunker quarto-e-sala, vivo de cerveja e pão-de-queijo por trás de uma muralha de livros, cds e dvds. Serena aparência de proteção.

Mas eis que a realidade, traiçoeira, se esgueira por baixo da porta da frente na forma de um jornal. Tablóide ainda por cima.

Cuidado com a China. No Iraque a vida é uma estatística. A puta da vez. Hugo Chávez, o exterminador do futuro. A Palestina só se fode. Steve Jobs a favor da pirataria. Astronauta passional ataca. Miss fudida em Londres. A vingança Talibã. O Irã ninguém segura. Aquecimento global here and now. A tesoura da governadoura.

A realidade é cheia de meandros e está logo ali do outro lado da porta. Pronta pra me pegar.

Tenho que pegar ela primeiro, eu penso.

Eu penso com erro de gramática, mas penso que preciso fazer o movimento antes que a realidade caia sobre a minha cabeça como uma bigorna. Porque ela está logo ali, do outro lado da porta. Pronta pra me pegar.

Isso me lembra uma vez que eu conversava com essa menina. Estudante de ciências sociais, bem ajeitadinha. Ela argumentava que o movimento tinha que ser feito de forma coletiva, organizada. “Transformar a realidade através da ação política”, ela dizia, peremptória. Como bom individualista, retruquei que acreditava “na transformação das relações interpessoais”. Devo também ter citado ética, poética, amor e embriaguez. Mas ela não caiu no papo. Me tachou de pós-moderno e eu saquei que não ia rolar.

Não comi e ainda ficou atrás da orelha aquilo que os outros chamariam de pulga.

Como se faz o movimento pra evitar a queda da bigorna? A política é uma esfinge? Chutar o balde é preciso, viver não é preciso? Sobrou pra eu aqui salvar essa porra da humanidade? Quanto tempo dá pra viver num bunker quarto-e-sala a cerveja e pão-de-queijo?

Existem mais perguntas do que respostas, o que é uma merda.

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8.2.07

Contracultura e Oralidade

(O texto abaixo foi apresentado no seminário Memória, História Oral e Oralidade, promovido pela Prefeitura de Porto Alegre em meados do ano passado. Participei do evento a convite da professora Rosemary Brum - a mãe do Rafa! Foi, no mínimo, curioso ler um texto cheio de referências a drogas em pleno auditório do Tribunal de Contas do Estado. O mais curioso (patético?) de tudo é que só fui dar conta do era exatamente a tal da História Oral ao fim do seminário. "Bom, pelos menos tu aprendeste alguma coisa", me consolou a Rose.)

Contracultura é subcultura que rejeita e questiona valores e práticas da cultura dominante da qual faz parte. O seu apogeu aconteceu nos anos 60 com a eclosão de idéias e ações, nos campos das artes, da política, do comportamento, que se confrontaram radicalmente contra tais valores. Na literatura, uma experiência é particularmente importante na construção de todo o movimento contracultural no país onde ele se expressou com mais força, os Estados Unidos. Uma geração que viveu por escolha própria no submundo da América abastada do pós-guerra, entre drogados, prostitutas, negros e pederastas, enxergando beleza na noite suja da cidade grande, desafiando as leis veladas do moralismo americano.

É a Beat Generation.

Encabeçada pelos escritores William Burroughs (1914-1997), Jack Kerouac (1922-1969) e Allen Ginsberg (1926-1997), a Geração Beat foi a grande referência para o movimento hippie, verdadeira revolução comportamental dos anos 60. A beat elevou ao status de arte as histórias daqueles marginais da cidade grande, trazendo para os livros o relato das experiências transgressoras, a transcrição de conversas intermináveis noite adentro, os “causos” bizarros dos drogados. E ainda: as características da fala desses personagens, gírias, o ritmo do diálogo acelerado pelo efeito de drogas estimulantes, a divagação alusiva e abstrata dos maconheiros.

Uma das caractarísticas marcantes no texto de Kerouac, por exemplo, é o que Allen Ginsberg chamou de “prosódia bop”, em que coabitam a oralidade das ruas e a musicalidade do jazz (o be bop, estilo com fraseados complexos e acelerados que remetem ao jive talking dos guetos negros das grandes cidades americanas).

A importância da fala no texto beat não se dá apenas quanto a aspectos formais. Os personagens das novelas e poemas da Geração Beat, muitas vezes inspirados em pessoas reais, ou seja, o próprio grupo beatnik, são falantes compulsivos, tagarelas, que varam as noites compartilhando idéias e experiências.

Ainda hoje o pensamento anticonformista da Geração Beat segue alimentando o imaginário de jovens de todas as idades ao redor do mundo. Uma de suas manifestações se dá através do trinômio mitológico da contracultura, o “sexo, drogas e roquenrol”. A literatura, e mesmo o cinema, muitas vezes retrataram esse universo. Mas é através da transmissão oral (nos “causos” de drogados, anedotas, lendas do rock, relatos de orgias e destruição) que se reforça o folclore. As histórias, trocadas no grupo como o baseado que passa de mão em mão, têm alta conta na construção dessa mitologia de deuses empunhando guitarras elétricas e seringas de agulhas hipodérmicas. Uma vez com a palavra (e se repleta de gírias, tanto melhor) o orador se transforma no pajé que compartilha a experiência e guia a tribo. Porque – para estes seguidores dos espírito libertário dos anos 60 – a experiência é o único bem necessário. E depois que passa, o que sobra dela é o relato.

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7.2.07

(Crônica lida no Talk Radio de 02/02)

Na terça passada, dois eventos musicais na escassa agenda de verão.

O primeiro, o show do Erlend Oye no Instituto Goethe. O cara faz parte do duo Kings of Convenience e também toca na banda The Whitest Boy Alive, uma das apostas da atual cena roqueira de Berlim. Todos os wannabes da cidade estariam lá.

O outro show era o da Adriana Deffenti e do Arthur de Faria, no projeto Par e Ímpar, no Santander Cultural.
De saída, o projeto Par e Ímpar deixa a gente meio com o pé atrás: a reunião low-fi de dois músicos apresentando um material diferente do que geralmente tocam soa como a típica encheção de linguiça, improviso qualquer nota pra dizer que acontecem eventos no terrível summer da província. E talvez seja isso mesmo. Mas foi divertido.

O Arthur de Faria é aquela figura peculiar. O próprio se define como alguém que já nasceu com sessenta anos. Tem um conhecimento apavorante de música popular, além de uma banda, o Seu Conjunto, que mistura música brasileira, humor, poesia, vaudeville, cabecismo, jazz e o escambau. Nada a ver com rock.

A Adriana Deffenti também tem pouco a ver com o gênero musical das guitarras elétricas. Ela está inserida naquela tradição das grandes cantoras brasileiras. E eu sinceramente espero que alcance a altura que merece, porque talento ela tem. É dona de uma voz clara, limpa. Sem aqueles falsetes irritantes estilo Programa Fama das Anas Carolinas da vida. A Adriana, praise the lord!, não quer ser a Aretha Franklin.

O show foi irregular. Mas teve seus momentos, e muito em função da performance teatral e divertida da moça: a versão de “Wouldnt it be nice”, dos Beach Boys; o impagável “Tango Meretrício”, de João de Almeida Neto; e o dramalhão-pornográfico “Revista Proibida”, de Odair José. A partir da segunda metade do espetáculo – se é que dá pra chamar uma coisa prosaica daquelas de espetáculo – a bola foi murchando até chegar na versão musicada de um poema do Daniel Galera que o Arthur classificou de “absolutamente fantástico” mas que eu achei de uma pieguice medonha. Uma versão acordeón-castalhola-e-bumbo de “Music”, da Madonna, ainda que com seus problemas técnicos, conseguiu me animar de novo.

Cumprimentei o Arthur na saída, que me olhou desconfiado. Talvez ele também fique com o pé atrás com esses projetos.

Dava tempo de ir no outro show, mas eu tinha diante de mim um dos grandes desafios do homem contemporâneo: um monte de dvds pra devolver na locadora.

Alguém aí pode me contar como foi o show do Erlend Oye?

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6.2.07


A festa mais quente da província (agora com dois ambientes):

PULP #49 - Summer Edition

É no sábado, 10/02, a partir das 23h, no Bar Ocidente. Ingressos a R$15 (valendo uma cerveja).

Na discotecagem o caudaloso TRIO FRICTURA (Hell, Drégus e Lio), e participação especial do pulpilo Yog Mars.

No OX (ali ao lado do Ocidente), show especial com DAMN LASER VAMPIRES e discotecagem AVALANCHE.

Mais uma vez:

O quê? PULP #49 - Edição de Verão com show DAMN LASER VAMPIRES
Quando? Sábado, 10/02, 23h
Onde? Bar Ocidente (João Teles esquina Osvaldo Aranha)
Quanto? R$15 (valendo uma cerveja). Ou antecipados a R$12 (vide flyer)

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5.2.07

A Disneylândia dos freaks

(Última das 3 crônicas de viagem)

Amsterdam é a Disneylândia dos freaks. O que dizer de uma cidade em que sexo e consumo de drogas são a atração turística principal? Ok, ok, tem também o Museu Van Gogh e a casa da Anne Frank, mas o que atrai o grosso dos turistas são mesmo os coffee shops e o famigerado Distrito da Luz Vermelha.

Turismo sexual e maconheiro, o que em outro contexto causaria síncope raivosa em certos moralistas de plantão, em Amsterdam não é apenas aceito, como de certa forma estimulado, na medida que uma das maiores fontes de renda pros cofres públicos.

O histórico de liberalidade e tolerância de Amsterdam não vem de hoje. Vem lá do século dezessete quando a cidade era uma das principais da Europa, um porto movimentado onde refugiados de perseguições religiosas de todo o continente podiam viver sem conflito. Na Amsterdam de 1600 – com suas casas peculiares e tortas, rede de canais desenhando um labirinto urbano – católicos, protestantes e judeus conviviam pacificamente, respeitando diferentes hábitos e pequenas idiossincrasias.

Mas o caráter de disneylândia dos freaks vai se estabelecer no século XX, com as ações do Provos. O Provos foi um coletivo de ativistas políticos, artistas, delinqüentes juvenis e malucos que surgiu em Amsterdam no início dos anos 60. Através de happenings e ações que desafiavam o status quo, o Provos ajudou a definir o que chamamos hoje de contracultura. Dentre as idéias defendidas pela geração Provo estavam a liberdade sexual e o consumo de drogas. Olha o que dizia o artista Van Duijn, um dos cabeças do movimento: “As drogas são ilegais e por conseguinte exercem atração. Estão em conflito com a opinião pública, vão contra as normas e os modelos reinantes, eis porque gostamos delas.”

E assim, quarenta anos depois da revolução Provos, um bando de doidos enche durante o ano inteiro as ruas da cidade buscando sexo e a alteração dos estados normais da consciência.

Por isso, o que pareceria no mínimo curioso em outra cidade do mundo, em Amsterdam é corriqueiro. Putas seminuas se refestelando por trás de vitrines iluminadas por luzes néon. Sex shops especializados em artigos sado-masoquistas. Pessoas de todas as idades fumando maconha impunemente em cafés espalhados pelo centro histórico. Adolescentes comprando cogumelos alucionógenos às oito da manhã nos smart shops. Em Amsterdam, tá tudo liberado.

Peraí, nem tudo. O consumo de drogas pesadas é francamente desestimulado pelas autoridades, o que não impede que substâncias como cocaína, speed e ecstasy sejam compradas ilegalmente nas ruas, de imigrantes africanos que se escondem pelos becos escuros oferecendo o produto aos turistas. Mesmo proibidas, as drogas pesadas estão inseridas numa política de contenção e redução de danos, que muito diferente da paranóia do War on Drugs americano, encara de forma mais humana esse problema de ordem social e de saúde pública.

Estar em Amsterdam é como ter entrado num túnel do tempo e sair em algum momento lá dos anos 60. Em Amsterdam, o sonho ainda não acabou.

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