19.9.08



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3.9.08

FRONTEIRAS FOR DUMMIES: PHILIP GLASS

– Let’s give Philip Glass a warm welcome!

Proferiu, num tom meio teatral, o MC da noite, o compositor e professor Celso Loureiro Chaves. Fã tentando agradar, pensei. Falando em inglês pro ídolo compreender. Então ele entrou no palco, passando por um piano de cauda instalado na lateral e, pra minha surpresa, não foi pro pequeno púlpito de onde o fã tinha feito a abertura. Sentou numa poltrona, colocou uma folha de papel na mesinha de apoio e iniciou uma fala tão preguiçosa quanto todas as aparências indicavam, elas de fato desenganam. Na medida em que o discurso avançava, ficou a certeza de que ele não tinha se preparado muito, só uns esbocinhos que consultava de vez em quando na folha de papel, balbuciando um inglês casca-grossa de compreender que se diluía em frases mal acabadas, soltas num vazio alusivo. Pra piorar, os fones da tradução simultânea dos vizinhos num volume altíssimo interferiam, com seu ruído agudo de radinho, o entendimento da (se é que dava pra chamar de) conferência. Apelei pra leitura labial, olhos grudados num dos telões do auditório.

Não era primeira vez que Glass vinha à cidade. Ele já havia se apresentado por aqui em 2001, na 8ª edição do Porto Alegre em Cena. O músico ficou conhecido do grande público nos anos 1980 quando criou a trilha dos documentários de títulos impronunciáveis do diretor Godfrey Reggio: Koyaanisqasi e Powaqqatsi. Desde lá, compôs trilhas-sonoras pra filmes de sucesso como Kundun, O Show de Truman e As Horas. O início de sua trajetória artística remonta aos anos 1960 e vai além das colaborações com cineastas: compôs pra teatro, ópera e performances, sempre em parceria com grandes nomes das artes. A fala Criatividade e colaboração pretendia dar conta justamente desse aspecto importante de seu trabalho, mas creio que faltou empenho, objetividade e talvez capacidade para tanto. Se bem que, logo de início, Glass avisou que preferia tocar que falar, o que fez em dois momentos, os melhores da noite. Também exibiu o curta Evidence, do parceiro Godfrey Reggio, outro bom momento em meio ao monólogo tedioso e pouco inspirado.

Philip Glass faz parte de uma geração que transformou a arte do século XX. Transformação que, segundo ele, foi lenta e difícil de perceber porque muitas vezes seus artífices não notavam a dimensão do impacto que causavam. Herdeiro das idéias de Duchamp, ajudou a embaralhar os limites entre sujeito e objeto. Muy informalmente, o músico propôs fazer um apanhado de como a arte mudou nos últimos 50 anos. Dividiu sua fala em quatro temas, entre eles: 1) a relação entre performance e público; 2) colaboração artística e 3) o performer como intérprete. Não consegui compreender do que tratava o outro tema, mas ao fim isso pouco importou porque o próprio Glass esqueceu de abordá-lo.

Ele explicou que a performance só existe porque há um público que a assiste. Essa percepção veio após o contato com o trabalho do músico vanguardista John Cage, em Paris, em 1961. Cage foi integrante do legendário grupo Fluxus, coletivo que incluía artistas tais quais Yoko Ono, Joseph Beuys e Nam June Paik. Formado em Nova York, por George Maciunas, o Fluxus combatia o status quo do mercado das artes, propondo um tipo de arte lúdica, expressada em suportes tão diversos quanto a música, o vídeo, a poesia e, sobretudo, o happening. Com origens no dadaísmo, o Fluxus foi a expressão máxima da anti-arte naqueles loucos anos 1960. E foi nessa época que Glass leu os escritos de Cage e conheceu seu trabalho. Ficou fascinado com a controversa composição 4'33'' (que, ao contrário do que muitos pensam, não consiste em 4 minutos e 33 segundos de silêncio, mas dos ruídos do ambiente onde a peça é executada durante essa duração).

“Para que algo produza um som é necessário que alguém o ouça.”

Mencionou ainda a técnica de cut-ups experimentada por Cage em cima de textos de Thoreau. Falou do fascínio pelo acaso no ato criativo e do interesse pelas artes performáticas. Para Philip Glass, a performance é a intersecção entre a música e o teatro experimentais. O músico confessou que sua arte chegou nas salas de concerto apenas no final dos anos 1970. Até então, suas peças ficavam restritas às galerias de arte.

Lembrou das parceiras com os dramaturgos Samuel Beckett e Bob Wilson. Com o último compôs a ópera Einstein on the beach, da qual executou um trecho enquanto, no telão, eram exibidas cenas da montagem. Também citou a parceria com o cineasta Godfrey Reggio, que levou sua arte ao alcance do grande público. Por fim, lembrou do poeta Allen Ginsberg, com quem se apresentou por todos os Estados Unidos em performances poético-musicais. Acompanhado de uma gravação de um poema contra a guerra (“Só não lembro qual”) na voz do famoso poeta beat, executou mais uma peça ao piano.

A música era extraordinária. Infinitamente superior à fala fugidia de seu criador e às repetidas digressões que o faziam rir em piadas sem a menor graça. Bocejos gerais. Ao meu lado, uma mulher cochilava sem constrangimentos.

“Entendo o tempo como algo material.”

Disse Philip Glass, enquanto duas filas à frente um senhor espiava as horas no celular pela enésima vez. Decerto concordava com o músico: o tempo é tão material quanto o dinheiro e não há nenhum dos dois a perder. Abandonou o auditório antes do fim da (se é que dava pra chamar de) conferência. Ele e várias pessoas.

Com o início da sessão de perguntas, aproveitei pra escapar também. Antes de deixar o auditório, vi que Celso Loureiro Chaves fazia menção à presença de Laurie Anderson, outra parceira de Glass. Já a tinha visto no saguão da reitoria, antes da conferência, ao lado do sempre risonho Peninha. Ela e outra dessas grandes damas da arte contemporânea, a Vera Chaves Barcellos, perscrutando com olhos desconfiados o entorno. Na noite seguinte, Miss Anderson se apresentaria na abertura do Porto Alegre em Cena.

Na saída, os bateristas Prego e Diego Silveira batucavam umas estruturas metálicas numa performance insípida com ares de jogada publicitária. A apresentação fora encomendada pela organização do evento, que dali a dois dias anunciaria alterações no programa do ciclo de conferências: o já esperado (pra usar uma expressão beckettiana) godot do David Byrne e a escalação extra do (pra usar uma expressão de acordo com a dimensão de seu excelente trabalho) gigante Richard Serra.

A carroça nunca foi tão veloz.

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