19.10.07

BIENAL FOR DUMMIES

Falta um mês pro encerramento da 6ª Bienal do Mercosul e se você ainda não visitou a exposição - seja por preguiça, medo, desinteresse, trauma ou qualquer outra razão (menos falta de grana, já que é totalmente grátis) aí vão algumas dicas: o filé. E vale a pena sair de casa, garanto. Melhor ainda em doses homeopáticas, um pouquinho de cada vez, sem pressa. Na calada da noite de segunda ou terça, quando voltam pros bairros aqueles que trabalham no centro (erro é ir na loucura ensolarada de final de semana, de passe livre, de pais de famílias feias comendo algodão doce e dizendo: isso aí até eu sei fazer). Passeio solitário e silencioso, fugindo dos monitores, bem intencionados, eu sei, mas eu fora.

Pegando emprestado o título de um conto de Guimarães Rosa, a 6ª Bienal tem o mote "A Terceira Margem do Rio". A metáfora pretende mostrar que dá pra ir além das oposições binárias e se posicionar de forma crítica e independente em relações às coisas, duvidar, questionar padrões e ao mesmo tempo aceitar o estranho, o inexplicável. Uma boa desculpa pra arte existir, resumindo. O curador geral, o uruguaio Gabriel Pérez-Barreiro não é bobo. Os textos que acompanham os trabalhos (item imprescindível em se tratanto de arte contemporânea) são claros e objetivos, sem todo aquele emaranhado de chavões artísticos que acabam anulando o sentido do que se quer dizer.

Diferente de algumas edições anteriores, a 6ª Bienal não peca pelo excesso. São quatro mostras em três espaços expositivos. Na Praça da Alfândega (entre o inútil Memorial do RS que deve estar ansioso pela Feira do Livro, tadinho) estão as Exposições Monográficas: no MARGS, o uruguaino Francisco Matto (1911-1995) com sua intersecção de arte primitiva e racionalismo (não empolgou mas pra quem gosta de pau velho é uma beleza) e o internacional e impronunciável Öyvind Fahlström (1928-1976), que, usando elementos da pop art, constrói uma crítica geopolítica do Terceiro Mundo.

No Santander está, talvez, o melhor da 6ª Bienal: um apanhado da obra do argentino Jorge Macchi. Os trabalhos, em suportes tão diversos quanto pintura, vídeo, escultura, colagem e instalação, fazem a conexão direta entre arte e cotidiano. A publicidade, a imprensa, o trânsito, a cidade, a música. Elementos do dia-a-dia transportados praquela terceira margem emprestada do Guimarães Rosa. Filé #1.

Os armazéns do Cais do Porto abrigam as demais mostras. Três Fronteiras reúne 4 artistas refletindo sobre a chamada Tríplice Fronteira, palco do massacre da Guerra do Paraguai. Nada mais pertinente em se tratando de Mercosul, mas o resultado se revela tão pífio quanto boa foi a intenção. Acontece.

Zona Franca vai além da seleção regional (o Mercosul) e apresenta trabalhos de artistas de relevância internacional. Um prato cheio:

Filé #2: "Western Deep", o sensacional filme do britânico Steve McQueen, exibido de meia em meia hora numa sala escura. Claustrofobia na veia.

Filé #3: "City glow", da japonesa Chiho Aoshima, uma animação psicodélica em cinco monitores LCD que, em frente às Casas Bahia, fazia fila. Arte paras as massas.

Filé #4: o ambiente criado pelos portugueses João Maria Gusmão e Pedro Paiva com projetores 16 mm rangendo uns filmes de pedra, terra e água em movimento.

Filé #5: a instalação "7 Fragmentos para Georges Méliès" do sul-africano William Kentridge, composta por animações surrealistas que lembram os primórdios do cinema.

Têm ainda os policiais performáticos nos vídeos do mexicano Yoshua Okon e a crítica política indigesta do americano Harrel Fletcher. "The American War" reproduz imagens do Museu da Guerra no Vietnã. O trabalho foi exposto em várias cidades dos EUA. Em tempos de Bush Jr, quando erros históricos são repetidos, nada poderia ser mais didático. Não recomendado pra estômagos fracos.

Em Conversas, 9 grupos de 4 artistas expõem seus trabalhos em módulos separados num intrincado jogo curatorial, repleto de conexões afetivas, estéticas, históricas e políticas.

Em contraponto à série de regras estabelecidas pelos curadores (artistas que convidam artistas que inspiram o convite de outro artista) alguns vão pro vale tudo, como é o caso do sujeito que convidou uma Arquibancada (com A maiúsculo) e exibiu o filme Além da Linha Vermelha. Osso duro sem número.

Mas tem o cubo de fios de nylon do venezuelano Jesús Rafael Soto (1923-2005) e as esculturas de fios de lã do brasileiro Waltércio Caldas, num módulo que é um luxo, na medida que menos é quase sempre mais. Tem um poema do argentino Leopoldo Estol que me faz pensar que arte é o lugar onde tudo é permitido. Estol foi convidado por sua conterrânea Liliana Porter que apresenta o ótimo "Trabalho Forçado", uma reflexão acerca desta atividade que acompanha o homem desde os primórdios de sua existência. E cansa. Tem o módulo dos chilenos Alvaro Pyarzún, Josefina Guilisasti e Magdalena Atria e da dupla Fischli & Weiss, da Suíça, com seu incrível vídeo de 30 minutos de pura ação e reação. A física e a química como você nunca viu antes. Filé #6.

Também tem o Projeto Pedagógico com curadoria própria (do uruguaio Luis Camnitzer) e sua metodologia de popularização da arte, com boas expectativas a longo prazo. Tem um bar super charmoso e uns banquinhos e mesas idem. Sem falar nos decks de madeira. Filé #7. Perfeitos pra admirar aquele por-do-sol que os locais insistem que é o mais bonito do mundo. A Terceira Margem ali do lado.

Marcadores: ,

7 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Leo Felipe,achei totalmente infeliz seu comentário sobre os "pais de famílias feias".Talvez os mesmos não tenham capacidade de entender a arte como você,pois não tiveram acesso a educação que você teve.Acredito que ao invés de tripudiar sobre esse fato deveria por-se a analisar a realidade da educação e cultura no país,onde visivelmente o acesso as mesmas se da com maior facilidade por parte de uma elite minoritária,ficando uma maioria excluída.Oque descreveu é real,porém triste,sem graça.

12:50 AM  
Blogger Unknown said...

Léo, adorei o texto, apesar dar restrições que tenho em relação a carnes, vou cair de boca neese filés...pode acreditar...aproveito ainda para "comentar o comentário" de Daniel, ...outro dia li um artigo na veja que falava exatamente sobre o preconceito que sofrem aqueles que"têm mais", seja educação, dinheiro, status, hoje, pessoas têm vergonha de estar em melhor situação e são "acusados"disso ou por isso...ora...admiro tua sinceridade ao falar das famílias feia, afinal...viva as diferenças, e que bom que as reconhecemos e aceitamos...isso é ser educado e inteligente!!!!

6:57 PM  
Anonymous Anônimo said...

Olá Léo. Bacana o texto, discordo de algumas coisas, mas acontece. Se todos tivéssemos os mesmos gostos e degostos que coisa chata seria!

Buenas, sem querer ser chata nem nada só quero dizer que o curador Gabriel é Espanhol, residente nos EUA (Austin-Texas) e que Öyvind Fahlström é brasileiro, descendente de suecos.

E dizer também que gostei do comentário sobre os "monitores", que são na verdade mediadores... Acho que eles não são sempre necessários (e olha que sou mediadora nessa Bienal) e ainda mais, sou mediadora na Mostra Três Fronteiras. E concordo muito com o que disse sobre a mostra, apesar de achar que o trabalho anterior dos artistas são maravilhosos!

8:14 PM  
Anonymous Anônimo said...

A mesma velha ladainha de sempre: putz, mas que papinho elitista! Bonito é o elogio da grossura, nestes tristes tempos de neonazistas em torcidas de futebol, bandido bom é bandido morto, o artista tem de ir aonde o povo está (fazendo toda e qualquer concessão para isso, pois eu ´´e que não vou me esforçar pra atingir o patamar que ele me propõe) ... ai de quem faz o elogio da arte, do diferente, do complexo! Pronto: a plebe (não estou falando das classes menos favorecidas, nem tampouco penso que é a estas pessoas que o Léo se referiu) ignata já acha que o mundo está contra ela! É claro que a classe C não teve, infelizmente, as ferramentas necessárias pra apreciar algo mais sutil e elaborado, mas esta não é a verdadeira escória: brabo mesmo são os ignorantes que tiveram a oportunidade e a renegaram, como aquele pessoalzinho da classe A(nalfabeta) que só pensa em números e 'realizações' (não é preconceito, tô falando de uma casta específica entre os magnatas, os grosseiros) ou da classe (abaixo da) média, que, justamente revoltada por sempre pagar a conta, confunde as coisas e, tal qual à anterior, só pensa no sentido prático das coisas! Os (verdadeiros) artistas, coitados, são a classe mais desagraçada dos nossos tempos: o mercado é cruel, a mídia quase não lhes dá espaço ( e quando dá, raramente com a devida ênfase, porque os comunicadores geralmente são ignorantes) e o público lhes é hostil. E dá-lhe acusações de elitismo e pretensão! É o crepúculo da raça, definitivamente!

9:42 PM  
Anonymous Anônimo said...

Bom desculpem se meu comentário foi clichê, ou pareceu liçãozinha de moral. Elitista, sectarista foi o piloto desse foguete, que parece não saber conviver com as diferenças, com as feiúras, com os algodões doces... Por falar nisso oque ele tem contra algodão doce?Se o objetivo foi criticar os que menosprezam, superficializam ou ignoram a arte, o Leo falhou ao estereotipar o “mau entendedor da arte”. De fato a compreensão, a apreciação da arte não depende somente de formação intelectual e muito menos status social. Existem aqueles que passam a vida satisfeitos, ”comendo” restos, migalhas, enlatados ou algodão doce porque nunca lhes foi ofertado um verdadeiro banquete.Existem ainda os que experimentaram do banquete e mesmo assim preferem comer lixo.Tudo bem vou tentar ver tudo pelo lado positivo: o Leo só deu algumas escorregadas ao tentar inflar seu Ego.
Daniel

11:32 PM  
Blogger Unknown said...

Oh my God, como alguém pode ter um discurso sobre aceitar as diferenças e tudo mais, se ele próprio não é capaz de apreciar uma opinião diferente da sua...já vai tomando o partido daqueles que ele imagina estarem sendo atacados,e de certa forma ele próprio cria a atitude discriminatória, ele se desqualifica junto dos demais que ali são citados como diferentes, não melhores nem piores, essa escala está na cabeça daquele que se intitula o "politicamente correto". Bem já diziam nossos avós: a maldade está na cabeça das pessoas!Eis aí um caso típico de um falso moralista, com complexo da vítima...que pena, poderia ter saboreado melhor o texto e sentido como gostos,idéias e ideais diferentes podem nos fazer tão bem!!EEii, respira. oxigênio já!!

7:30 PM  
Blogger Unknown said...

O que (me) interessa no texto do Léo é o prazer proporcinado pelo ato de ler. Ler e saborear. Ora, tato ele pode comentar sobre "os pais de familias feias" quanto estes podem comentar sobre as obras, com os típicos "até eu faço". Resumindo: Fodam-se os idiotas!

12:56 PM  

Postar um comentário

<< Home