6.4.08

ARQUEOLOGIA NO DISCO RÍGIDO: 2003
(Esse foi pro Ponto de Vista, site do professor Wladimir Ungaretti.)

A LENDA DE BUDDY BOLDEN
Buddy Bolden foi o inventor do jazz.
Assim nos conta a História, afeita a conclusões simplificadoras e reducionistas. Nada disso, o jazz foi uma invenção coletiva. Surgiu na virada do século XIX para o XX, a partir da mistura de duas correntes musicais: uma sacra (gospels e spirituals) e outra profana (ragtime, blues e minstrels).

Buddy Bolden foi escolhido para protagonizar o inventor do jazz porque ao longo dos anos sua figura se tornou mítica na história da música. Não deixou gravações do som revolucionário que extraía de sua corneta. Suas façanhas (tanto musicais quanto sexuais) nos chegaram através de testemunhos – muitas vezes fantasiosos – de ex-parceiros, ex-amantes e velhos desafetos, e a única imagem que temos de sua pessoa é uma foto esmaecida em que aparece ao lado da antiga banda. Ainda pesa o fato de que sua carreira musical tenha durado pouco mais de uma década e que tenha passado seus últimos vinte quatro anos de vida num hospício.

Charles Bolden nasceu em 1877 em New Orleans. Em fins da década de 1890 iniciou carreia profissional como músico nos salões de Storyville (o famoso Distrito da Luz Vermelha da Louisiana onde viviam centenas de prostitutas). Durante o dia, Bolden trabalhava como barbeiro e editor do jornaleco de escândalos The Cricket. Alguns dizem que também foi gigolô e que através do contato com as prostitutas obtinha as fofocas para rechear as páginas de seu jornal.

Dotado de uma personalidade carismática, se tornou muito popular na New Orleans da virada do século. Seu tour-de-force era o tema “Buddy Bolden’s blues” (também conhecido por “Buddy Bolden's stomp”, “I tought I heard Buddy Bolden say” e “Funky Butt”), uma música ousada, carregada de referências sexuais. Segundo o clarinetista Sidney Bechet: “quando Bolden tocava, as pessoas começavam a cantar e a polícia, a bater nas cabeças delas”. Sua performance era incendiária.

Nesse período, começa a dar os primeiros sinais dos distúrbios mentais que se agravariam com o abuso do álcool nos anos seguintes. Em 1906 foi internado pela primeira vez após agredir a própria mãe. Um ano mais tarde, durante uma parada em New Orleans, abandonou a corneta e nunca mais voltou a tocar. Após novo acesso, é levado ao manicômio, onde permanece até a sua morte em 1931. A partir da década de 30, com a popularização do jazz, cresce a lenda sobre sua figura.

O jornalista Donald Marquis é o responsável por compilar toda a informação que se tem hoje sobre Bolden. Em meados dos anos 70, realizou uma exaustiva pesquisa que resultou na obra “In search of Buddy Bolden”. Muito do levantamento de Marquis acabou por desmitificar a aura de gênio musical em torno do artista, salientando o caráter coletivo da origem do jazz.

Em 1976, o escritor canadense Michael Ondaatje publicou “Coming through slaughter”, uma obra de ficção sobre a vida do músico. O livro apresenta uma linguagem poética e fragmentada. A história de Bolden é contada nas vozes de diversos narradores – como no jazz em que cada solista improvisa sobre um mesmo tema. Particularmente interessante é a ambientação que Ondaatje faz de New Orleans, destacando a importância das zonas de meretrício na formação de uma das manifestações artísticas mais originais do século XX. A novela foi lançada no Brasil pela Companhia das Letras sob o título “Buddy Bolden’s blues”.

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