10.11.08

O ROCK GAÚCHO É UM TERNO MOFADO
A Coquetel Molotov é uma revista de distribuição gratuita especializada em música. Ela é editada lá em Recife por uma turminha puxada que também tem um programa de rádio e produz os festivais No Ar Coquetel Molotov e Invasão Sueca. Encartado na revista, há o suplemento Cultura e Pensamento, trazendo artigos que tratam de temas tão díspares quanto "a tensão entre o central e o periférico", "o contexto musical atual de Rio Branco" e "o hip hop e a ascensão do produtor do estúdio para os palcos". Alguns meses atrás, um dos mentores da revista, o Jarmeson, encomendou um texto que refletisse sobre aspectos específicos da cultura roqueira local, colocando-os de alguma forma num contexto mais universal. O resultado é o artigo a seguir.
O Rock Gaúcho é um terno mofado

It’s not getting better
It’s not getting better, man
It’s just getting old
(James Murphy)

Novo demais pra isso.

Assim me vejo diante da desgastada cena do tal do Rock Gaúcho. Causa espanto observar essa – pra usar um termo bem sulista – gurizada ouvindo Beatles como se fosse a última novidade musical do planeta. Não que eu seja louco (ou idiota) a ponto de questionar a importância e a influência do famoso quarteto, ambas gigantescas e incontestáveis, mas a questão é que soa tão anacrônico. Isso a que se convencionou chamar de Rock Gaúcho, esse tipo de música inspirada na sonoridade dos anos 60 e embalada em terninhos de brechó mofados, não tem mais saída. Assim como os sixties terminaram naquele melancólico dream is over de guerras, golpes, overdoses e assassinatos, o seu pastiche também tem seus dias contados. Até a Cachorro Grande já percebeu isso. O clichê do garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones (não por acaso, um sucesso sessentista requentado pelos conterrâneos Engenheiros do Hawaii) começa, no discurso da banda, a ceder espaço pra referências um pouco mais contemporâneas (20 anos depois, pelo menos). Refiro-me à citação do vocalista Beto Bruno aos Stone Roses como influência no último trabalho do grupo. Só falta agora trocar os terninhos por umas roupas mais descontraídas. Não digo aquelas camisas folgadas e coloridas estilo Manchester, mas quem sabe uns casaquinhos de tecido sintético.

O tecido sintético dos timbres eletrônicos raramente veste o Rock Gaúcho, ele é quase sempre valvulado. Ou acústico. Ou vice-versa. Ok, têm o incansável Edu K e o DJ Chernobyl, mas esses já estão numa esfera internacional e não cabem mais na redução regionalista. E por falar nesse legítimo camaleão do rock brasileiro, o Edu sempre traçou um caminho torto em relação à turma dos que amavam Beatles e etc. Lá nos anos 80, ele andava com o Miranda e o Flu e ouvia, (muito) além de Beatles & Stones, pós-punk, funk, new wave. Referências quase alienígenas pros roqueiros de TNT, Cascavelletes e congêneres. Ou genéricos, como se diz por aqui.

Em termos de, não digo culpa já que um verdadeiro criador nunca pode ser acusado de gerar imitadores, mas origem, esse espírito sessentista que assombra o Rock Gaúcho tem na figura de Flávio Basso uma referência fundamental. Nos anos 1980, o sujeito esteve à frente do TNT e dos Cascavelletes, bandas definidoras do gênero. Na década seguinte, Flávio inventou o Júpiter Maçã, uma persona psicodélica diretamente relacionada com a estética da lisergia e do amor livre. Mas o homem é da estirpe dos malditos, de modo que coube aos discípulos (filhotes?) trazer de volta os anos 1960 em cadeia nacional, via Music Television, bem debaixo dos chapéus tipo Bob Dylan.

Os anos 1960 sempre ocuparam um lugar especial no imaginário dos roqueiros nativos. Estão presentes no ié-ié-ié malicioso do TNT e dos Cascavelletes, nas composições dylanescas de Júpiter Maçã, no delírio sydbarretiano de Plato Divorak, na Jovem Guarda atonal da Graforréia Xilarmônica. A música produzida nos anos 1960 é uma das mais influentes da história. Mas, desde lá, muita coisa aconteceu e é no mínimo limitante buscar referências apenas naquele universo. Especialmente depois de tantas – usando uma expressão bem a ver com aqueles anos – revoluções que ocorreram na música pop nas últimas décadas. Não há problema em buscar inspiração em algo feito 40 anos atrás, o erro é a reverência conservadora e excludente que olha o passado sem de fato compreendê-lo. Um exemplo: imagine Jimi Hendrix vivo. É bem provável que andasse às voltas com samplers, softwares e ruídos digitais. No entanto, a maioria dos fãs de Hendrix que conheço torce o nariz só de ouvir a expressão “música eletrônica”. É que esse pessoal do Rock Gaúcho é muito conservador. Troque os terninhos por bombachas e dá no mesmo.

Lembro quando ouvi o álbum Revolver pela primeira vez, ainda nos teens. Que descoberta! Na época, um amigo mais velho, o Roberto, um sujeito que viveu a explosão do punk na Europa dos anos 1970, costumava dizer: “Odeio Beatles”. Mesmo perplexo, eu podia compreender o sentido da afirmação: os Fab Four representavam pro Roberto um passado distante e gasto, preso em escombros de sonhos frustrados, deixado pra trás pela velocidade da História em transformação. Hoje em dia, ando pensando no Roberto com freqüência. Sempre que fico sabendo do show de uma banda de covers dos Beatles. Ou quando entro num clube e escuto “I want to hold your hand” na pista de dança. Ou nas conversas de jovens roqueiros em ternos de brechó apertados: John, Paul, George e Ringo.

Velho demais pra isso, quem sabe.

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10 Comments:

Blogger Chore meu bem said...

Velhos são os quem se mantém na tradição...mas a tradição não é estática...como parece ser... O rock gaúcho não é a não-cultura...mas temos excessões, que não se ligam a rótulos e a estéticas... como o Júpiter que não tá nem aí com seu passado rockers e o Plato, que desconstrói tudo. O problema está numa geração que já nasceu velha...presa a estéticas fixas e pré-fabridas. É mais fácil ser igual achando que é diferente, do que levantar da caverna e ver o sol.
Bjos Paola

1:11 PM  
Blogger Leonardo Prado said...

tipo, esses dias teve uma banda da alemanha de SkaJazz no Porão.
Mesmo sendo um ritmo da década de 60 o Ska é ignorado em Porto Alegre. E o show foi do caralho. Tinha de punks, Skins, hooligans até fashionistas de plantão, todos curtindo o melhor do Ska na mesma pista de dança.
Esse papo de retro me dá dor de estomago.
Agora em dezembro os The Toasters vão estar em turne no Brasil. duvido sair uma nota na mídia. se fosse o Top DJ de Londres ia no Jô Soares. uhuhauhauha

8:25 PM  
Anonymous Anônimo said...

E não é que tu disse um monte de coisas que eu penso há um tempão? Ainda bem que a literatura daqui não tá engessada da mesma forma.

10:13 PM  
Blogger Dani Hyde said...

infelizmente a música experimental não é comparável com o "enlatadismo" que está rolando por aí.
Hendrix não estaria no MySpace.

eu concordo que há esse ranço do rock gaúcho, mas várias bandas já deram caras de outsiders. o que acontece, e você sabe, é que esse produto não interessa pra indústria cultural, pra representar o "rock gaúcho".

12:53 PM  
Anonymous Anônimo said...

Sempre passo por aqui esperando mais um capítulo do livro, e hoje encontro esse texto bastante interessante. Quanto à parte de trocar os terninhos por bombachas... o pensamento de que a música gaúcha é estática e atrasada é um preconceito tão limitante quanto ficar buscando referências em uma única época. Talvez isso se aplique à antiga "música de grosso", mas desde que em 1970 surgiu a Califórnia da Canção Nativa a música gaúcha vem se renovando, buscando novas referências e evoluindo. Como cantou Adair De Freitas, "hoje o amanhã não me fascina, tenho o ontem que me ensina, mas não vivo de saudade". Sei que esse assunto 'música gaúcha' provavelmente desperta pouco interesse por aqui, mas não pude deixar de esclarecer esse ponto. Realmente, os artistas e o público da música gauchesca têm certas reservas quanto a certas modificações, como usar guitarra elétrica em vez de violão, mas esses tipos de resistência cultural se vê em muitos lugares: vocês conseguem imaginar alguém tocando pandeiro e cavaquinho num show de heavy metal? Um cantor de ópera em um evento de hip-hop? Eu também não consigo imaginar um solo de guitarra numa música nativista...

11:15 PM  
Anonymous Anônimo said...

Esse agarramento aos anos 60 faz da Baloné vanguarda.

Bobagem. Tem muita banda portoalegrense que não largou os ternos, assim como tem muito bicho grilo que parece aquele japonês na ilha 30 anos depois do fim da guerra: acham que Woodstock não acabou. Mas são todos inexpressivos, com a possível exceção da Cachorro Grande. Esse papo é reducionismo preguiçoso. Tem muita banda gaúcha, morta ou viva, que faz totalmente outra linha, como Tom Bloch, Viana Moog, Walverdes, Irmãos Rocha!, Superguidis, Nenhum de Nós, Andina, Video Hits, Bidê. Engenheiros só fez essa UMA referência aos 60 e o cara já aponta: "Viram só???". Preguiça e retórica. Só concordo com uma coisa: who cares?

2:49 AM  
Anonymous Anônimo said...

Viva o rock Gayúcho!HAHAHAHA(gargalhadas gerais!).

8:03 PM  
Blogger Alexandre Lima said...

O artigo é muito pertinente nesse momento da cena "roqueira" de POA. O referêncial musical dos 60,como se diz "já deu o que tinha que dar", pois hoje no meu entender essa gurizadinha de terno, é muito mais "pose", "estética" do que música. E musicalmente dá pra fazer um trocadilho com "es(té)(tá)tico", pois simplemente o Rock em envidência em POA, e pretensamente "alternativo", é completamente vazio de outros referênciais que não só de rock, mas de outros estilos. Sem falar que outros estilos ficam completamente marginalizados, seje dos espaços da noites e dos bares, seje da mídia, que já incopora coisas tão ruins, e a única "alternativa" é esse rock gaúcho mofado e que só faz pose, sem inteligência, e sem invetividade musical. É como eu digo ironicamente para uns amigos: "POA precisa URGENTE de um de um Movimento MangueBeat", para que se instaure a DIVERSIDADE e a multiplicidade na cena músical alternativa da cidade, quem sabe assim o rock daqui não mude um pouco... Pra melhor, e que finalmente se guarde em seus devidos ármarios os ternos mofados de uma juventude roqueira mediocre.
Porto Alegre, uma metrópole brasileira culturamente mais elevada que o resto do país? Um caralho!
Invertendo a frase do Gonzaguinha que virou jingle de novela: "Eu (não)acredito é (nessa) rapaziada".

4:31 PM  
Blogger renatodias said...

Acho que a gurizada de hoje deve buscar mais no rock gaúcho do que nos Beatles e nos anos 60. Buscar suas influências na MPGaúcha, no Nativismo, no cinema, literatura, teatro gaúcho, no Internacional! O gaúcho, principalmente o portoalegrense tem mania de querer ser londrino, americano, carioca, recifense, tudo menos porto- alegrense.

4:20 PM  
Anonymous Anônimo said...

Se Chico Science fosse gaúcho, teria sido repudiado pelos roqueiros, visto como bizarrice pelos fãs de música eletrônica, ignorado pela mídia e crucificado pelo MTG.

12:48 PM  

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