16.10.08

FRONTEIRAS FOR DUMMIES: CARPINEJAR E PEDRO JUAN GUTIÉRREZ

Entre gaúcho orgulhoso e clown, Carpinejar adentrou o auditório pilchado. Diria dos pés à cabeça não faltasse o chapéu, apenas a careca brilhosa sorrindo à luz dos holofotes. Pendurada no ombro trazia uma guampa de boi (uísque doze anos dentro) que ofereceu ao colega de palestra: Pedro Juan Gutiérrez, outra portentosa careca resplandecendo no topo de um blazer blanco, exata medida da elegância caribeña. Comparei as calvícies e considerei sobre a escalação da dupla pra palestra da noite. Semelhança estética. Ainda bem que a Paula Taitelbaum é bem cabeluda.

O Carpinejar é um pai apaixonado confesso. Em sua fonética conflitante, leu uma espécie de longo poema que falava do amor à família e às palavras. O texto abria com o clichê da criança que acredita ter sido trocada no hospital. Acho que não tive infância porque jamais cogitei uma coisa dessas. No telão, ao invés da imagem do palestrante, eram mostrados instantâneos-poéticos-de-pequenos-objetos-do-cotidiano, xícaras, bilhetes na geladeira, cadarços de sapatos etc., idéia que poderia ter sido boa se as fotos também o fossem. Como fotógrafo o Carpinejar é um excelente escritor.

E a leitura seguiu naquele tom amoroso e apaixonado característico de sua literatura, com o humor na dose certa pra agradar a audiência do Fronteiras. Lembrou da italianada à mesa, do beliche que dividia com o irmão, de fotos em Pinhal. Vieram as reminiscências do avô e eu que começava a achar chata demais a fixação com infância e família, experimentei alguma empatia com o Carpinejar quando lembrei que há poucos dias tinha pensado no meu avô com saudade. Não era um completo insensível afinal.

“Somos as palavras que escolhemos.”

Nos definiu. Nós, tartarugas das emoções, o tempo todo carregando conosco passado, vida e família, com um repertório verbal montado por assimilação dos sons, ações, medo e (perdão) delírio de nossos afetos. Foi um discurso bonitinho, com seus momentos de singeleza, mas longe de dar aquele barato intelectual que eu experimentara em outras noites de Fronteiras do Pensamento.

O outro careca entrou em cena com o relaxamento desencanado de quem já comeu muita puta nessa vida. O rosto sulcado num sorriso másculo, a careca morena, o blazer blanco, só faltou o charutão. Pedro Juan era uma caricatura de si próprio.

(continua)

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