22.8.08

FRONTEIRAS FOR DUMMIES: WIM WENDERS
Parte II
Soube que, na noite da chegada de Wim Wenders à cidade, um convescote (sic) reuniu, de maneira informal, o cineasta, jornalistas e intelectuais. Porra, eu nunca sou convidado pra esse tipo de coisa, pensei. Deve ser porque falo muito palavrão, merda! Na tarde seguinte, Wenders, sempre solícito, participou de uma palestra para professores e alunos do curso de cinema da PUC. Quando deixei o Salão de Atos, depois da conferência, ele concedia uma entrevista para um programa de tevê, transmitido do saguão do auditório, no olho do furacão do Fronteiras (David Lynch, que medita, não teve um décimo da paciência). Durante a coletiva, foi extremamente atencioso com os jornalistas que contribuíram, na maioria, com perguntas decentes.

A crítica Ivonete Pinto mandou bem com uma sobre a experiência de Nick’s Movie, que registra as últimas semanas de vida do cineasta Nicholas Ray. A idéia original era fazer um filme de ficção que desse continuidade ao personagem de Ray em O Amigo Americano. Mas a doença do diretor de Juventude Transviada e Johnny Guitar impediu o projeto de avançar.

“O câncer foi mais forte que todas nossas idéias ficcionais.”

Como Ray queria muito fazer o filme, Wenders adaptou-o para o que se transformaria num tocante documentário sobre a morte de um artista. Experiência assustadora que só não foi interrompida a pedido do médico de Ray. Para viver, seu paciente precisava continuar o filme. Wenders filmou Nicholas Ray até o último momento possível, no leito de hospital.

“É um mistério que isto exista em filme.”

O tema da morte também rendeu comentários sobre seu novo filme Palermo Shooting, em que um fotógrafo alemão vai à Itália e consegue fotografar a morte, na forma de uma mulher. Li em algum lugar na blogosfera que o filme recebeu péssimas críticas. Deve ser por isso que Wim Wenders não mais as lê, conforme revelou na coletiva.

“Meu filmes preferidos obtiveram as piores resenhas.”

O Marquinhos Mello, afiado como sempre, fez referência ao documentário Chambre 666 pra perguntar sobre o futuro do cinema. Wenders realizou o filme durante o festival de Cannes de 1982. Pôs uma câmera 16 mm num quarto de hotel. Os diretores que participavam do festival eram convidados a entrar, ligá-la e responder à pergunta: qual o futuro do cinema? A referência do Marquinhos foi a deixa pra Wenders contar que lhe haviam proposto o mesmo desafio, algumas horas antes naquele hotel. Idéia do Gustavo Spolidoro (baita espertinho), que fez um documentário encomendado pela organização do evento (também deve ter sido do Gus a idéia de dar uma camisa do Inter pro Wim Wenders).

O correspondente do JB fez uma pergunta péssima, daquelas com uma longa introdução traçando um breve apanhado da carreira do artista e destacando aspectos relevantes de sua obra, pronunciada num tom tão blasé que fez com que o tradutor (baita profissional) perguntasse ao fim:

Hein?

E pediu que repetisse a segunda parte. O correspondente do JB refez a pergunta, suprimindo a introdução, uma pergunta boba que Wenders respondeu com a maior gentileza, tão vagamente quanto tinham lhe perguntado. Dois guris cabeludos que faziam a cobertura prum site quiseram saber da relação do rock com o trabalho do cineasta. Wenders, que leciona numa escola de arte em Berlim (“Nas escolas de arte entende-se o cinema num sentido mais amplo. Escolas de cinema são muito voltadas para a carreira.”) e deve estar acostumado a lidar com os jóvens (como diria o Carlinhos), respondeu que morria de inveja dos roqueiros.

“Eles têm muito mais liberdade que os cineastas.”

Confessou que, em suas aulas, está muito mais interessado com o futuro do que com o passado do cinema. Sente gratidão pelos mestres mas prefere o trabalho das novas gerações. Também contou da visita de Glauber Rocha ao set de O Estado das Coisas, em Sintra, pouco antes de sua morte. E, claro, abordou o onipresente tema novas mídias. Para Wenders, a tecnologia digital expandiu a linguagem e o vocabulário do cinema e deu mais liberdade aos iniciantes.

“Não tenho nostalgia da película.”

DON’T COME KNOCKING

Li em letras vermelhas nas costas da jaqueta de um carinha sentado na segunda fila do auditório. Se a vida tivesse a opção com legenda, viria escrito embaixo:

ESTRELA SOLITÁRIA

A coletiva tinha sido boa, mas a conferência estava matando a pau.

A América, uma das obsessões do artista, foi evocada através de um de seus produtos mais importantes: o cinema.

“O senso de identidade americano foi estabelecido pelo cinema.”

A construção do sonho americano se dá nas imagens em movimento, projetadas na grande tela.

“Imagens são as armas mais importantes do século XXI.”

Então WW disse que exibiria algumas imagens. E como não é bobo, não caiu na armadilha preguiçosa de mostrar uma clipagem de seu trabalho. Não iria ilustrar o que acabara de dizer, como alguém que escreve as legendas primeiro pra depois escolher as fotos. Exibiu Invisible Crimes, um curta feito pra organização humanitária Médicos Sem Fronteiras. Sua equipe viajou até o Congo, no coração das trevas, na mesma região em que Conrad ambientou o famoso livro que inspirou Apocalypse Now. Lá, numa aldeia perdida no meio da zona de guerra, colheu depoimentos de mulheres abusadas por militares e milicianos em eterno confronto.

“Depois da exibição do filme, vocês poderão me perguntar sobre qualquer coisa que eu tenha dito ou feito até agora.”

Disse Wim Wenders antes de nos tocar com um delicado soco nos peitos. Aturdido com a pancada, demorei a aplaudir quando o diretor voltava ao palco, luzes acessas novamente. Veio a rodada de perguntas. Wenders falou da paz e de sua impopularidade (“Todos os épicos são sobre a guerra”) e de detalhes da produção do filme que tínhamos assistido. Muito pragmático, Gerbase quis saber como resistir ao cinema de Hollywood (“resegva de megcado?”) que, segundo seu brother Giba Assis Brasil (baita frasista), é ao mesmo tempo o melhor e o pior do mundo.

“First of all, não tentar copiá-lo.”

Antes ele já havia manifestado sua preferência por estações de trem aos Batman, Harry Potter e semelhantes. Fui obrigado a concordar, esses filmes de Hollywood são cada vez mais (e sempre) a mesma merda. Depois do último Batman (Heath Ledger merece um Oscar, essa deve ser a piada mortal) decidi que não perco mais meu tempo precioso que adoro perder com um monte de outras coisas inúteis indo ao cinema ver blockbuster da estação. Opa, mas voltando ao Wenders, cinema de Hollywood é que nem junk food: de vez em quando é bom, mas não enche cabeça. Segundo ele, devemos ignorar a indústria, ela vai ficar bem sem nós.

Antes do anúncio do fim da conferência (que desencadeou um muxoxo coletivo no auditório) Wenders narrou um episódio biográfico quando, aos 23 anos, trocou numa loja de penhores seu saxofone tenor (em que tocava “nada além de Coltrane”) por uma câmera Bolex 16 mm. Ótimo negócio. Pra ele e toda a humanidade. Coltranes já bastam os que têm por aí.

Mas um dos melhores momentos da noite veio na resposta a uma pergunta aparentemente idiota:

Qual a diferença entre atores americanos e alemães?

E Wenders, um cara legal pra caramba, contou uma ótima história de bastidores de O Amigo Americano que foi mais ou menos assim:

Aquele era o primeiro filme de Bruno Ganz. O dedicado ator, escolado nos palcos teatrais, acordava de manhã cedo e, todos dias, ia bater na porta do diretor pra passar o texto. As filmagens acontecendo de acordo com o cronograma, tudo nos conformes. Foi Dennis Hopper (“o arquétipo do ator americano”) chegar que o set virou do avesso. Hopper voltava das filmagens de Apocalypse Now, direto da selva, trajando o figurino do filme, cinco câmeras penduradas no corpo cheio de feridas, louco, chapado, rindo e falando compulsivamente, a complete mess. Isso não vai dar certo, pensou Wenders. No outro dia, ao bater da claquete, Hopper se tornara uma nova pessoa. Recomposto, encarnou o talentoso Ripley, dando-lhe vida, improvisando inesperadamente, alterando a marcação original do texto. Quelle performance. Mas através do visor, Wenders percebeu algo errado: Bruno Ganz acertou um soco no meio da cara de Dennis de Hopper. Ao revide do americano, o diretor foi obrigado a gritar corta! Os dois deixaram o set e Wenders achou que fossem brigar lá fora. Voltaram na manhã seguinte, abraçados, bêbados e melhores amigos. Não houve filmagens naquela tarde, a ressaca impossibilitou. Na manhã seguinte, o diretor foi surpreendido com Dennis Hopper em sua porta, cedo, querendo passar o texto. Bruno Ganz, por sua vez, apareceu minutos antes da gravação. À batida da claquete, estava pronto. Mais tarde, confessou a Wenders que O Amigo Americano salvou sua vida.

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4 Comments:

Blogger arthur said...

ótimo saber como foi a visita de W.W. na carroça...pena que ele passou batido pelo Rio,hehe

1:05 AM  
Anonymous Anônimo said...

que legal.
obrigada pelo relato inspirado.

8:45 PM  
Blogger Unknown said...

Valeu Leo. E como diria um amigo:

- Wimwenders e aprendenders!

Abraço.

10:59 AM  
Blogger Carol Oliveira said...

bÁH! Adorei teus comentários de WW, tbém assisti na tv com ...quando esteve aqui, pois não consegui estar lá! hahaha...mas achei muito bom o teu blog nunca tinha visitado! Alienada! mas to lendo todo agora to adorando meu domingo ta com certeza ,bem mais interessante!

6:11 PM  

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