8.2.07

Contracultura e Oralidade

(O texto abaixo foi apresentado no seminário Memória, História Oral e Oralidade, promovido pela Prefeitura de Porto Alegre em meados do ano passado. Participei do evento a convite da professora Rosemary Brum - a mãe do Rafa! Foi, no mínimo, curioso ler um texto cheio de referências a drogas em pleno auditório do Tribunal de Contas do Estado. O mais curioso (patético?) de tudo é que só fui dar conta do era exatamente a tal da História Oral ao fim do seminário. "Bom, pelos menos tu aprendeste alguma coisa", me consolou a Rose.)

Contracultura é subcultura que rejeita e questiona valores e práticas da cultura dominante da qual faz parte. O seu apogeu aconteceu nos anos 60 com a eclosão de idéias e ações, nos campos das artes, da política, do comportamento, que se confrontaram radicalmente contra tais valores. Na literatura, uma experiência é particularmente importante na construção de todo o movimento contracultural no país onde ele se expressou com mais força, os Estados Unidos. Uma geração que viveu por escolha própria no submundo da América abastada do pós-guerra, entre drogados, prostitutas, negros e pederastas, enxergando beleza na noite suja da cidade grande, desafiando as leis veladas do moralismo americano.

É a Beat Generation.

Encabeçada pelos escritores William Burroughs (1914-1997), Jack Kerouac (1922-1969) e Allen Ginsberg (1926-1997), a Geração Beat foi a grande referência para o movimento hippie, verdadeira revolução comportamental dos anos 60. A beat elevou ao status de arte as histórias daqueles marginais da cidade grande, trazendo para os livros o relato das experiências transgressoras, a transcrição de conversas intermináveis noite adentro, os “causos” bizarros dos drogados. E ainda: as características da fala desses personagens, gírias, o ritmo do diálogo acelerado pelo efeito de drogas estimulantes, a divagação alusiva e abstrata dos maconheiros.

Uma das caractarísticas marcantes no texto de Kerouac, por exemplo, é o que Allen Ginsberg chamou de “prosódia bop”, em que coabitam a oralidade das ruas e a musicalidade do jazz (o be bop, estilo com fraseados complexos e acelerados que remetem ao jive talking dos guetos negros das grandes cidades americanas).

A importância da fala no texto beat não se dá apenas quanto a aspectos formais. Os personagens das novelas e poemas da Geração Beat, muitas vezes inspirados em pessoas reais, ou seja, o próprio grupo beatnik, são falantes compulsivos, tagarelas, que varam as noites compartilhando idéias e experiências.

Ainda hoje o pensamento anticonformista da Geração Beat segue alimentando o imaginário de jovens de todas as idades ao redor do mundo. Uma de suas manifestações se dá através do trinômio mitológico da contracultura, o “sexo, drogas e roquenrol”. A literatura, e mesmo o cinema, muitas vezes retrataram esse universo. Mas é através da transmissão oral (nos “causos” de drogados, anedotas, lendas do rock, relatos de orgias e destruição) que se reforça o folclore. As histórias, trocadas no grupo como o baseado que passa de mão em mão, têm alta conta na construção dessa mitologia de deuses empunhando guitarras elétricas e seringas de agulhas hipodérmicas. Uma vez com a palavra (e se repleta de gírias, tanto melhor) o orador se transforma no pajé que compartilha a experiência e guia a tribo. Porque – para estes seguidores dos espírito libertário dos anos 60 – a experiência é o único bem necessário. E depois que passa, o que sobra dela é o relato.

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