15.4.08

FRONTEIRAS FOR DUMMIES: EDGAR MORIN

Cheguei esbaforido no Salão de Atos da UFRGS, em fuga após o trabalho, despenteado, suado, mochila, casaco, sacola. Dando pistas de que não vinha de casa, sem banho nem perfume. Muita gente perfumada no auditório (lotado). Impressionou também a quantidade de gostosas. Foi-se o tempo que, pra posar de inteligente, mulher tinha que ser feia. As lindas também pensam. Era o que parecia dizer a peituda espremida num decote catedrático que entrou fatal no salão, pretinho básico dos pés à cabeça (ou ao menos até o decote), enquanto eu me arrumava na cadeira, constrangido, cheio de acessórios inapropriados pra quem vai fazer um curso de altos estudos culturais, tipo tênis novo na sacola.

Naquela de sair cedo de casa, tendo de emendar um compromisso no outro, tarefas várias de segunda-feira, cabeça a mil logo pela manhã, fui incapaz de colocar na mochila qualquer coisa com a qual eu pudesse fazer uma anotaçãozinha sequer. Restariam as mentais. Meu cérebro e eu, pensei.

O evento começou com a condução de Ruy Carlos Ostermann. Depois os discursos das autoridades presentes e o prefeito ainda teve a presença de espírito de declarar que político não deveria ser convidado a falar em eventos como aquele. Foi aplaudido. Representando a governadora, o chefe da casa civil não teve a mesma sorte e a platéia emitiu um grunhido de consternação ao ouvir seu nome ser chamado logo em seguida.

Então o ilustre palestrante foi convocado. De um assento na platéia, caminhou lentamente pro palco acompanhado de uma das atendentes (gostosas, by the way). Um senhor pequenino com pouquíssimos cabelos brancos ao lado da cabeça. Um dos grandes pensadores franceses da segunda metade do século XX, de um tempo em que a França dava ao mundo cabeções ilustres. Mas ao contrário de outros de seus conterrâneos/contemporâneos com envergadura craniana semelhante, Edgar Morin está bem vivo. O intelectual de 86 anos, doutor honoris causa por nada menos que 17 universidades, foi o primeiro convidado pra série de 15 palestras da edição 2008 do curso Fronteiras do Pensamento.

Num português tosco, se desculpou por fazer a palestra em francês. Na próxima faço em brasileiro, emendou. O tema de sua fala era 1968-2008: o mundo que eu vi e vivi. Uma hora depois, 40 anos de História tinham passado em meus ouvidos (a despeito de algumas falhas na transmissão do tradutor simultâneo).

Primeiro ele explicou como o homem via a si mesmo àquela altura do campeonato: ele (o homem, você, eu, sua tia etc.) tem consciência de sua insignificância diante do universo em expansão e sabe que nada o separa da natureza, ele é parte dela. E foi assim que a ecologia, ciência criada no final do século XIX, passou a ganhar cada vez mais posições no ranking do pensamento científico. Sobre o emblemático 1968 e suas revoltas, Morin falou da busca paradoxal de autonomia e comunidade: ser livre e ao mesmo tempo pertencer. Nessa época, surgiu a contracultura pra combater a autoridade. Foi a estréia da adolescência (porque até então era criança ou adulto, não tinha nada no meio). O ex-comunista também refutou o neoliberalismo de Fukuyama. Foi o século que terminou com a chegada dos anos 1990, um século curto que nasceu atrasado em 1914. Pra Morin a História não acabou porque novos desafios surgem no horizonte do homem. O capitalismo dá sinais de ruína com a crise da hegemonia norte-americana. Países antes chamados periféricos tomam lugar no tabuleiro geopolítico e cultural. A globalização cria positividades e negatividades que se chocam.

Mas a maior quebra de paradigma é que o homem perdeu o futuro, pois ele não acredita mais no progresso tecnológico que trará o bem-estar. O progresso traz armas de destruição de massa e mata a natureza da qual o homem é parte. O futuro é igual à morte. É por isso que ele volta a pensar como no passado, quando acreditava que o céu era o espaço da plenitude. Daí os fundamentalismos e suas estúpidas guerras santas.

A probabilidade é de que o homem se destrua. É matemático. Mas Edgar Morin, em sua enorme generosidade, acredita na improbabilidade. Porque o improvável também pode acontecer. É matemático. Evocando a metamorfose da lagarta em borboleta, ele pergunta: quem poderia pensar que aquele ser rastejante voaria tão alto? A origem está diante de nós.

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3 Comments:

Blogger Leonardo Prado said...

BOA CARA, MUITO BOA.

12:52 PM  
Anonymous Anônimo said...

Nossa, que memória, leo.
Parabéns.
bjs livia

5:12 PM  
Anonymous Anônimo said...

trés bien!

12:28 PM  

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