17.6.08


HARDER, BETTER, FASTER, STRONGER!

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16.6.08

PRIMEIRO POPULAR PORTO ALEGRE DE RUÍDO & LITERATURA / VOL. III

Outra do aglutinador Paulo Scott, mestre em juntar gente legal que escreve, toca e inventa coisas. Na edição de estréia do PRIMEIRA POPULAR (que rolou no Zelig, em 2006) tive a oportunidade de conhecer um dos meus grandes (anti-)heróis da literatura, o Reinaldo Moares. Na nova edição do evento (28 e 29/06, no Ocidente), vou participar (com meu ex-parceiro nos Mininmliaus Murilo Biff) de uma performance no sábado e, no domingo, de uma mesa-redonda que discutirá Mas o que é a nova literatura? (talvez assim eu também aprenda). A programação aí embaixo:

28/06 - SÁBADO - OX/OCIDENTE

17 horas – Mesa: LITERATURA, TELA & PALCO

Fabrício Carpinejar (RS)
Mário Bortolotto (SP)
Rogério Skylab (RJ)
Roger Lerina (Mediador)

19 horas – Sessão de autógrafos

Mário Bortolotto
Rogério Skylab

20 horas – Primeiro Popular Porto Alegre VOL. II

Ana Paula de Freitas
Antônio Xerxenesky
Ariela Boaventura
Cardoso
Cíntia Moscovich
Douglas Dickel
Fapo e os Humanóides
Fabio Zimbres
Gilson Vargas
Julio Reny
Laura Leiner
Lavanderia Psicodélica de Charlie Chan
Leo Felipe & Murilo Biff
Marcelo Noah
Mário Bortolotto
Nenung
Os PoETs
Rogério Skylab

Durante o evento - Exposição e bancas de venda

Não Editora
Jornal Vaia
Galeria Adesivo
Casa Verde Editora

29/06 - DOMINGO - OCIDENTE

16 horas – Mesa: MAS O QUE É A NOVA LITERATURA?

Carlos André Moreira (Zero Hora)
Fernando Ramos (Jornal Vaia)
Jimi Joe (Unisinos FM)
Leo Felipe (Editora Idéias a Granel)
Luiz Maurício Azevedo (Editora Bipolar)
Samir Machado de Machado (Não Editora)

19 horas – Primeiro Popular Porto Alegre VOL. III

Antônio Carlos Falcão
Cardoso
Carlo Pianta
Carlos Ferreira
Carol Bensimon
Claudia Barbisan
Daniel Pellizzari
Fabrício Carpinejar
Frank Jorge
Laura Leiner
Mário Bortolotto
Paulo Seben
Pedro Gonzaga
Rafael Ferreti
Rogério Skylab
Tom Enola

Festa de Encerramento
Show com a banda JUSTINE

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10.6.08

FRONTEIRAS FOR DUMMIES: MILTON HATOUM E SERGIO RAMÍREZ

A senhora ao lado disse alguma coisa pra comadre e eu acordei do cochilo. Espero que não tenha babado, pensei enquanto me arrumava na cadeira. Que preguiça. O suco e o chocolate não foram suficientes pra recompor as energias. Talvez precisasse de alguma coisa mais forte pra vencer o acachapante tédio de segunda-feira potencializado pela umidade asquerosa e a tarde morrinha no trabalho. É que supervalorizando meu espanhol de feriado no Uruguai, tinha recusado os fones da tradução simultânea e adentrado o recinto confiante, retirando resquícios de ânimo do fundo do... Ah, deixa pra lá. Mas exigia atenção acompanhar Sérgio Ramírez em sua fala monocórdica. E o sono veio vindo de mansinho.

O escritor participou da Revolução Sandinista que tomou o poder após quase meio século de ditadura (apoiada pelos States, of course) do clã Somoza, dono de meia Nicarágua. Ramírez foi vice de Daniel Ortega, deputado na Assembléia Nacional e candidato à presidência do país em 1996. Sua fala, Cadernos de encargo (oficios compartilhados), dava conta justamente da profissão de dublê de escritor e político.

Lendo um calhamaço de anotações, Ramírez elencou colegas que mesclaram esses ofícios contraditórios, de Daniel Defoe a Normam Mailer (a lista era extensa e dividida por nacionalidade, mas eu só lembro da seção britânica que, além do autor de Robinson Crusoe, incluía John "Paraíso Perdido" Milton e Sir Francis Bacon). Também traçou um paralelo entre a ação política e a criação artística: mudar a realidade é uma forma de imaginar. Falou dos escritores da América Latina, "que carregam paixão pela vida pública". Citou o substrato rural do continente que gerou, na política, o caudilhismo e, na literatura, o realismo mágico. Lembrou os grandes temas da literatura: 1) amor e morte, conforme Garcia Márquez; 2) amor, loucura e morte, segundo o uruguaio Horacio Quiroga, e 3) amor, loucura, morte e poder, conforme ele próprio.

"O poder deteriora os ideais no momento em que se o assume."

Disse, com conhecimento de causa, um pouco antes de eu cochilar. Acordei quando ele falava que ainda tinha fé nas utopias.

"A sociedade perfeita é impossível, mas é preciso ter fé na justiça e na igualdade. Imaginar é uma forma de aproximar-se da utopia."

Aplausos e eu pensando:

Espero que não tenha babado.

Dei uma rápida espreguiçada e fui salvo do sono pela fala envolvente de Milton Hatoum. A sisudez do político nicaragüense foi substituída pela leveza do libanês culto criado à beira de igarapés tropicais. Em tom jocoso, Hatoum começou falando da professora de filosofia que conheceu no vôo que o trouxe de São Paulo (que acabou pousando em Caxias, graças à "cerração") e da conversa sobre os confins do mundo. Confins: limite e essência de um lugar. A passagem entre a vida e a literatura, por exemplo. As tais das fronteiras, resumindo.

O autor amazonense, filho de imigrantes libaneses e tri-campeão no prestigiado Prêmio Jabuti, faz uma literatura cujo combustível principal é a memória. São relatos que misturam reminiscências da infância, fatos biográficos, lendas e fantasia. Daí o mote de sua palestra: Passagens entre a vida e a literatura.

Hatoum lembrou da infância em Manaus no final dos anos 1950, das aulas no Colégio de Aplicação, em Brasília, e dos dias de militância política na Sampa da década de 1970. Citou livros importantes (os contos do velho Machadão encabeçando a lista) que, segundo ele, nos mostram que precisamos sair dos nossos confins, avançar através dos limites, cruzar as fronteiras da imaginação.

"A literatura diz o tempo todo: você tem que sair do seu lugar."

E lá foi Milton Hatoum rodar o mundo. Estudou na Espanha, morou na França, tentou poemas, contos e um romance político que, segundo ele, não era político nem romance.

"Têm coisas que não podem ser aproveitadas, temos que ser brutais."

E jogou tudo no lixo, enquanto percebia que a mediadora entre a literatura e a vida é a experiência. Mas ela só serve à arte depois de filtrada pela linguagem, pois fazer literatura é transcender os fatos, transfigurar o vivido.

Citava sua "viagem ao preciosismo de Euclides da Cunha", em Os Sertões, quando um blackout fez acender as luzes de emergência da Reitoria e deixou as senhoras inquietas por alguns minutos. Na fila de trás alguns expoentes-da-nova-geração-de-autores-gaúchos esperavam ansiosos a volta da palestra.

Quando a luz voltou, Hatoum alertou pro perigo do dogmatismo político da Era Bush e lembrou que religião também é cultura. Sobre o ofício de escrever, citou Céline:

"Ser escritor é passar do plágio à petite musique."

O escritor deve achar sua própria voz e, pra isso, é necessário se distanciar dos seus confins para, então, recriá-los. Daí lembrou quando tentou fazer terapia. A psicanalista o expulsou do divã e o mandou escrever.

"Tanto a literatura quanto a psicanálise são biografias de fantasmas."

Com a modéstia dos laureados, Milton Hatoum afirmou que nunca quis ser um grande escritor.

– COMO ASSIM?

Escrevi no bloco de anotações (em capital letters, como diria o Justice). Estava na cara que aquele sujeito tinha trabalhado a vida inteira pra isso, perseguindo os grandes mestres, tentando capturar a essência de sua arte. Sua literatura era um espelho dessa pretensão, construída à base de memórias da infância e mitologias re-contextualizadas num cenário regional, a petite musique de imersão sensorial em sons, odores e sabores amazônicos, cascas rugosas de árvores na umidade da mata escura etc. A pretensão de "grande escritor" era tão visível que eu não tinha conseguido terminar o primeiro capítulo de seu aclamado segundo romance. Dois irmãos me pareceu um bom esquema preenchido com frases bonitas de sons e odores e sabores amazônicos. A fórmula do sucesso da grande literatura.

Mas pra tanto, há de se labutar. Hatoum trabalha oito horas por dia e um romance pode lhe consumir anos de trabalho.

"O romance é a narrativa do desencanto, da desilusão."

Afirmou, fazendo crer que a utopia pertence muito mais à política que à literatura.

Mas mesmo com tanto desencantamento, não deve haver sofrimento no processo da escrita: escrever deve ser tão prazeroso quanto ler. E mandou um aviso pros aspirantes: leiam, sobretudo. Na despedida, citou Borges:

"Afinal, ler é um ato muito mais civilizado do que escrever."

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9.6.08


It's my party and it freaks me out!

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2.6.08

A FANTÁSTICA FÁBRICA
Capítulo 23 - Seu Antônio

Essa é a história do homem que morava embaixo do Garagem.

Seu Antônio era um mulato de 50 e tantos anos, viúvo, pai de dois filhos, estudante temporão de História na FAPA e, rufar dos tambores (tambores que o Seu Antônio não ouviria, assim como não ouvia a zoeira rock’n’roll all night long das longas noites do inferninho): surdo.

O dono da lavanderia no primeiro andar tinha sublocado uma das peças. Numa dessas tardes enfadonhas, esperando a entrega das bebidas durante a passagem de som, tédio absoluto, e pior: banda chata, vi esse velho de pijama e pantufas, zanzando no pátio do casarão. Desci pela escadinha lateral e, incisivo, abordei o homem, tom de voz tipo histérico:

Pois não?

O velho se apresentou: novo vizinho.

Agora essa, pensei.

Num tom mais ameno, perguntei se o barulho não incomodava.

Quê?

E a gente se habitou a ver aquela figura circulando pelo pátio da casa de pijama e pantufas. Mesmo sem escutar direito, Seu Antônio adorava uma conversa. O Ricardo não tinha a mínima paciência com o velho, de ficar gritando pra que ele ouvisse, tampouco com os assuntos. Quanto a mim, não era apenas o sentimento de piedade que me fazia parar pros dois dedos de prosa, como ele costumava dizer, eu gostava de conversar com ele. Na maioria das vezes, falávamos de política. Aos brados, invariavelmente. Era engajado em ações sociais em prol de comunidades carentes, lutava contra o preconceito racial e dormia o sono dos surdos, enquanto a gente arquitetava insone e inconscientemente uma revolução apolítica e egoísta. Ele também: 1) roncava, a ponto de fazer eco naquelas noites vazias e por si só deprimentes, imagina com uma trilha sonora dessas; 2) juntava lixo e sucata, como muitos desses velhos doidos por aí. Vivia trazendo algum entulho da rua e o pátio ficava sempre lotado de coisas inúteis. Quando fizemos uma festa junina, o Ricardo foi até o depósito de entulhos do Seu Antônio e trouxe de lá uns pedaços de madeira pra alimentar a fogueira montada no pátio, enfim alguma utilidade. No dia seguinte, o velho apareceu puto da cara reclamando que a gente tinha queimado um pé de mesa de grande estima pra ele.

Não contente em montar o ferro-velho, o Seu Antônio também resolveu abrir um restaurante. O bistrô do Seu Antônio era meia dúzia de mesinhas no pátio dos fundos, disputando espaço, lado a lado, com o depósito de entulho. Contando ninguém acredita. Eu mesmo custei quando ele disse que ia abrir um refeitório no meio de toda aquela tralha. Escreveu almoço numa placa de madeira tirada do próprio ferro-velho e pendurou no portão da frente. Achei que ninguém iria engolir aquilo mas nunca se pode subestimar a raça humana porque o Bric-à-brac Bistrô acabou conquistando uma pequena clientela. Era composta por gente da base da pirâmide social da Barros Cassal e arredores: garis, empacotadores, estivadores do asfalto e outros mortos de fome. Só mesmo à beira da morte pra encarar aquela gororoba sinistra servida pelo Seu Antônio, que sempre me convidava pruma boquinha:

É por conta.

Não, obrigado. E uma repugnante fragrância de fritura subia pro segundo andar, impregnando o ambiente e somando um fedorzinho extra ao característico blend de cigarro e cerveja choca. Eu ficava imaginando que tipo de coisa ele fritava. Algo caçado no depósito de entulho provavelmente.

Numa dessas tardes tediosas de espera da bebida (the story of my life), o Seu Antônio me chamou lá embaixo. Não o via tão irritado desde quando queimamos seu estimado pé de mesa.

Quê houve, Seu Antônio? Gritei da janela.

Daí ele falou de uma goteira que pingava na cozinha do seu refeitório. Descobri que um dos nossos freezers não tinha a tampa da manguerinha que escoa pra fora aquela água suja de gelo derretido e cerveja azeda. Assim que desligávamos a chave de força no domingo de manhã, pós-festerê, aquela sopa fria começava a se formar dentro do freezer e ia pingar lá embaixo no ensopado do Seu Antônio.

Por essas e outras, o empreendimento gastronômico não vingou e o Seu Antônio passou a se dedicar a sua pesquisa acadêmica em História. De vez em quando recebia a visita do filho, um carinha da minha idade (na época, hoje deve ser bem mais velho). Tinha também uma filha, mas só a vi uma vez, quando apareceu pra almoçar ainda no tempo do bistrô. Depois de provar a comida, nunca mais voltou.

Outra bronca que ele tinha com a gente era com o banheiro. O banheiro do Seu Antônio ficava fora da casa, numa área de serviço ao lado do pátio. À noite, o pessoal que trabalhava no bar também usava aquele banheirinho de emergência, sempre limpo e sem filas. Não demorou pra que o banheiro limpeza do Seu Antônio se tornasse de domínio público e TODO MUNDO dava um jeito de burlar o segurança e, pulando o portãozinho lateral, ir até lá satisfazer as necessidades, fossem elas químicas, fisiológicas ou sexuais. O resultado era que, no fim da noite, ou seja, de manhã, quando o Seu Antônio acordava e, como um relógio, ia fazer suas abluções matinais, o banheiro estava um completo desastre: papel higiênico sujo transbordando da lixeira, camisinhas usadas, xixi na tampa do vaso, o de praxe em se tratando de banheiro de boteco.

Um dia ele perguntou onde comprávamos os docinhos.

Docinhos?

Esses negrinhos que vocês vendem adoidado.

Negrinhos?

Sim, esses que o pessoal come e depois atira o papel do embrulho no vaso, eu sempre tenho que desentupir.

Achei que o velho estivesse delirando. Uma noite, cheio de cerveja na bexiga, fui usar o banheiro de emergência do Seu Antônio e quando mirei o pinto no meio do vaso vi o papel de embrulho a que ele se referia. Juro que: 1) definitivamente não era de negrinho e 2) não era a gente quem vendia.

Foi numa noite de inverno, um friozão fodido dessas quintas-feiras que eu só queria estar em casa vendo tevê embaixo do cobertor, que o Seu Antônio apareceu dentro do bar, um chambre puído por cima do pijama. Uns clientes que estavam no meio da sala viram aquela figura esfarrapada e soltaram uma gargalhada. Eram os mesmos que, minutos antes, tinham rido quando o chão soltara um estalo num intervalo de música. Um estalo mais alto que os estalos de sempre.

Tremeu o chão, gente!

Gritou uma bichinha roliça e os amigos caíram na risada. Era a mesma bichinha que, guinchando como uma hiena, apontava pro Seu Antônio de chambre e pantufa. Pensei que ele ia reclamar do banheiro ou de algum pedaço valioso de entulho que a gente havia detonado. De mansinho, me pediu que o seguisse até sua casa.

Era uma peça abarrotada de livros, revistas e jornais que ele dizia se tratar do material de sua pesquisa, tudo empilhado nos cantos, ocupando a maioria do espaço. Um colchão velho estirado no meio da bagunça, o pequeno fogão encostado na parede e era isso.

Embasbacado diante da austeridade da casa do Seu Antônio, esqueci o motivo da visita até que ele chamou a minha atenção, apontando pra cima. Ali estava a viga do segundo piso, exposta em sua fratura, a origem do estalo mais alto que os de sempre. Ajudei o Seu Antônio a fazer uma pilha de livros. Construímos um apoio pra viga quebrada com boa parte do material de pesquisa do velho. Afinal, leitura é a base.

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