25.1.08

Homens notáveis VI
YVES KLEIN

“O pintor do espaço se lança no vazio”

O primeiro monochrome a gente nunca esquece. Foi em 2001, primeira viagem pra Oropa. Sedento por cultura, entrei no Deustche Guggenheim onde a exposição On the sublime propunha representações deste estado de perfeição espiritual e estética através da obra de três artistas: Mark Rothko, James Turrell e Yves Klein. O valor da entrada era salgado pros meus bolsos de mochileiro e ainda fui obrigado a deixar a companheira de viagem num armário de aluguel (era proibido entrar de mochila no museu). Um marco a menos no orçamento, Scheiβe! O museu era três saletas com dois pares de quadros e uma instalação. O sublime deve ser parco, pensei. Assim como eram os meus marcos. Numas de que quantidade é qualidade (o que todo mundo sabe que não tem absolutamente nada ver, mas quando a gente viaja sozinho por muito tempo acaba ficando com o pensamento meio perturbado, enfim) fiquei de cara: pô, só isso? Então vi os dois quadros, cada um com um metro e pouco por um pouco menos, ou nem isso. Pintados inteiramente de um azul vibrante que atraía o olhar como um ímã de olhos. Tomado por uma estranha sensação de vertigem, fui impregnado por aquele azul que era um recorte do céu, do espaço, do infinito. Pura transcendência em um metro e meio de tela e tinta.

Cinco anos depois voltei ao Velho Mundo. No Centre Pompidou, a exposição Corps, couleur, immateriel apresentava uma retrospectiva da carreira artística de Yves Klein, exibindo várias de suas obras: os monochromes azuis, rosa e dourados; as pinturas de fogo e vento; as Anthropométries em que usava corpos de modelos nus como pincéis; as esponjas monocromáticas; os croquis da arquitetura e do urbanismo do ar; a Symphonie Monoton-Silence, composta por uma única nota estendida por 20 minutos e depois por um longo silêncio da mesma duração; manifestos, cartas, partituras, registros de perfomances, conferências e até o livro sobre judô do tempo em que dava aulas do esporte em Madri, no início dos anos 1950.

Em 1954 Yves Klein começou a desenvolver seus monochromes. Buscava na cor absoluta uma intensidade que extrapolasse os limites da tela. Sua santíssima trindade cromática era formada pelo rosa, o dourado e o azul – a cor definitiva de Yves Klein.

A patente do International Klein Blue é de 1960, resultado de uma pesquisa com pigmentos e resinas que resultou num azul ultramarino belíssimo com o qual recobriu telas, esculturas, bustos, esponjas e até corpos femininos (numa carta do início dos anos 1960, endereçada à Casa Branca, Klein chega a propor a inserção do pigmento IKB na bomba atômica). Na tentativa obsessiva de gerar o que chamou de “zonas de sensibilidade pictórica imaterial” realizou uma escandalosa exposição em Paris: Le Vide (O Vazio), em que exibiu a galeria vazia. Vendeu suas Zones de sensibilité picturale immatérielle (uma abstração conceitual) a preço de ouro, numa complicada transação que incluía recibos, instruções de uso e uma cerimônia com o lançamento de parte do ouro nas águas do Sena. As experiências com o imaterial incluíram esculturas de fogo e pinturas de vento (prendeu uma tela no capô de seu carro durante uma viagem de Paris a Nice), projetos urbanísticos de alteração climática, sinfonias monótonas e a extensão dos próprios pincéis pelo uso de corpos nus embebidos em tinta.

Yves Klein antecipou os procedimentos de muitos artistas contemporâneos, com suas técnicas excêntricas e um certo pendor pelo espetacular (o interesse pelos mass media e a publicidade era compartilhado com os colegas do movimento Novo Realismo, do qual participou no início dos anos 1960). Para ele, o artista era como um Midas que transforma, a um simples toque, tudo em ouro. No entanto, os fundamentos filosóficos que conjugam corpo e mente (herdados do aprendizado das artes marciais) e o profundo misticismo (católico fervoroso, era devoto de Santa Rita de Cássia) parecem ter dado ao trabalho do pintor uma consistência superior, raramente igualada pelos artistas de hoje.

Yves Klein morreu em 1962, aos 34 anos, no terceiro ataque cardíaco que sofreu. Em 2008, completaria 80 anos (assim como outro grande nome das artes da segunda metade do século XX: Andy Warhol). Em sua breve trajetória perseguiu o vazio em busca da arte absoluta. Transcendente, plena e, sobretudo, imaterial.

“A arte absoluta, o que os homens mortais chamam com uma sensação de vertigem o summm da arte, materializa-se instantaneamente. Faz sua aparição no mundo tangível, enquanto eu permaneço em um ponto geométrico fixo, no rastro de tais deslocamentos volumétricos com uma velocidade estática e vertiginosa.” (Yves Klein, Manifesto do Hotel Chelsea, 1961)

(A seguir, Yves Klein no registro da performance Anthropométrie e, com a ajuda dos bombeiros, executando suas pinturas de fogo. Logo após, a participação do pintor no filme Mondo Cane, de Gualtiero Jacopetti, pouco antes se sua morte em junho de 1962.)







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1 Comments:

Blogger mutantix said...

po, leo... e os capitulos da saga garageana? nunca mais? ah, para...

4:37 PM  

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