3.5.08

A FANTÁSTICA FÁBRICA DE CHOCOLATE

Capítulo 20 - Cinemeando

Se o Gus não se engana, começou em 1998 e foi até 2000. 16 edições com mais de duzentos filmes exibidos.

Uma delas com 585 pessoas, diz ele.

O evento foi criado por um trio de amigos que, na Porto Alegre dos anos 1990, andava às voltas com câmeras e projetores de super-8. O Gus, o Zanella e a Aline cursavam comunicação social e produziam uns curtas-metragens, tudo na base do paitrocínio. Garageiros de carteirinha, inventaram um tipo de cineclube junkie, na melhor tradição udigrudi, em que exibiam seus próprios filmes, produções de amigos e de outros realizadores iniciantes do país, além de pérolas esquecidas do cinema brasileiro. O Cinemeando no Garagem acontecia uma vez por mês no pátio da velha casa, simultaneamente à ferveção da festa, com música alta, bebedeira, pegação e o de sempre. Uma tela era estendida no muro, algumas fileiras de cadeiras em frente, projetor em cima de uma mesa e pronto: estava armado nosso próprio Cinema Paradiso. Ou mais adequadamente: Cinema Inferno. A platéia, composta por cinéfilos bêbados, estudantes universitários, cine-groupies, músicos e artistas frustrados em geral, nem se importava com os baldes d’água e os ovos atirados das janelas dos apartamentos por vizinhos enraivecidos com a gritaria de sessões tão alucinadas quanto obrigatórias como aqueles pornôs do Mojica que sempre passavam na finaleira. Pornografia nacional compartilhando democraticamente o projetor com videoarrrtes, produções caseiras, clássicos do cinema independente. Tudo apresentado muy informalmente, sem frescuras.

Alguns confirmados do Cinemeando:

Meu primo, de Nelson Nadotti, Carlos Gerbase e Hélio Alvarez. Esse filme era longo demais pros padrões festeiros do Cinemeando. Até que foi exibido numa ocasião, por falta de material. Noite chuvosa, uma das poucas sessões in-door do evento. Depois de quarenta minutos de projeção, lá pelas cinco da manhã, o filme foi aplaudido de pé.

Arrepiante, segundo o Gus.

Boi bom, do catarinense Petter Baiestorf, o Gordard do gore nacional. Exibido várias vezes, Boi bom mostra um bizarro duelo de gaudérios ao carnear um boi. O vencedor terá que beber o sangue da cabeça do bicho. Prato cheio pra quem curte tripas.

Os pornôs do Mojica supra-citados. Especialmente aquele em que uma mulher trepa com um pastor alemão e eu não me refiro a um clérigo protestante de origem germânica.

O Otto Guerra era um habitué do Cinemeando e vários de seus trabalhos foram exibidos: animações em super-8 e 16mm, a maioria comerciais antigos, e um documentário sobre a produtora Otto Desenhos. Nessa sessão, toda vez que ele aparecia na tela uma mina gritava:

Oootto, quero chupar teu pau!

Otto Guerra, o Don Juan dos acetatos.

Conforme o Gus, outro fato importante é que o Cinemeando gerou diversos namoros, alguns rompimentos e até casamentos. Resumindo, uma suruba danada.

Mas o caso mais folclórico foi quando o Zanella encheu de porrada uma loira da turma dos superoitistas. Não sei o que ele tinha contra ela, mas devia ser muito. Casa cheia, de repente explode a confusão. Briga! Alguém grita, e lá vou eu engrossar o coro do deixa-disso. Chego na cena do crime e vejo o Zanella chutando uma pessoa deitada no chão, os braços da vítima protegendo o rosto dos pontapés.

Quem será?

Reconheci a loira entre um chute e outro. Paguei uma cerveja antes de mandá-la pro HPS.

O Cinemeando alcançou renome nacional e promoveu várias estréias com filmes do circuito alternativo brasileiro. Depois, virou pauta pra imprensa local. Numa bela noite, uma emissora de TV mandou sua repórter com ligeiro sobrepeso pra cobrir o evento. Durante o boletim, assim que as luzes da câmera se acenderam, atrapalhando a sessão, o povo entoou em coro:

Sai gorda!

E a matéria nunca foi ao ar.

O Cinemeando também acabou rendendo um filme em super-8. Cinemeando no Garagem, o filme é um híbrido de documentário e ficção e foi rodado durante a sexta edição do evento. Por uma dessas casualidades tipicamente garageiras, a que teve o menor público.

80 pagantes, show do Planet Hemp na mesma noite, lembra o Gus.

Feito no improviso, o filme traz no elenco vários amigos da turma do super-8, personagens de uma trama noir de último minuto: mulher traída contrata detetive barato pra desmarcarar marido cafajeste. A maior curiosidade sobre Cinemeando no Garagem, o filme é que ele foi submetido à censura. Em prol da moral e dos bons costumes, of course. Conta o Gus:

– Os negativos foram enviados pra revelação nos Estados Unidos mas o filme voltou sem um trecho, acompanhado de uma carta de advertência que, em resumo, dizia: peito não pode.

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