27.5.08

FRONTEIRAS FOR DUMMIES: BETO BRANT E JOSÉ PADILHA

Destaques do 3º encontro do Fronteiras do Pensamento:

1) Os All-Stars prata do Roger Lerina, o mediador do evento. Tinha visto um par igualzinho, horas antes, nos pés de um carinha no centro. Lançamento, decerto. E eu não conseguia parar de pensar: será que tem com cano longo?

2) A queridíssima Prê, que eu não via há muito tempo. Quando ficava chato, Prê e eu batíamos um papinho (sussurrando, é claro, somos elegantes) e, lá pelas tantas, ela me soprou a frase que definiu a noite: intuição versus método. A Prê é foda.

O Beto Brant é figurinha fácil por aqui, quase um Fabrício Carpinejar. Nas seis semanas de filmagens do Cão sem dono, eu o via em todos lugares: boteco de esquina da Demétrio, restaurante italiano, festinha no apê do Dudu, antigo Beco. Ainda que não tenha conversado com ele, deu pra sacar a sua personalidade, principalmente através dos relatos dos amigos que trabalharam com ele, mas também por vê-lo trabalhando. Tudo de um jeito muito aberto, intuitivo. Pura emoção.

“Se eu tivesse juízo, não teria vindo.”

Convenhamos, um péssimo início. Beto não parecia confortável e já saiu dizendo que não se sentia habilitado a falar do cinema brasileiro. Iria falar do que o levou a fazer cinema, de si próprio. Não tinha o domínio de palco de Fernando Arrabal ou Gerald Thomas, nem amigos como Picasso ou Beckett, então a coisa saiu meio trôpega. Entre boca seca e goles de água, Beto divagou sobre infância, pai e amigos. Alguns momentos de singeleza, mas achei que demorou a chegar no ponto. Passou trailers, o que eu achei muito chato, sem me dar conta de que talvez seus filmes não tivessem sido vistos por muitas pessoas ali. Pouco falou sobre seu processo criativo porque, creio, não deve pensar muito nele.

Seu interesse é pelas pessoas e por suas histórias de vida, alimento de sua arte. Destacou a amizade e a parceria com Marçal Aquino, com quem trabalhou em cinco filmes. O primeiro, Os matadores, representou o fim de uma visão bucólica do campo, herança dos tempos da faculdade de agronomia, passeios na fazenda etc. Uma espécie de trilogia da violência se completa com Ação entre amigos e O invasor. A ruptura acontece em Crime delicado, um filme intimista e “auto-reflexivo”, que fala de arte. O individual em lugar do coletivo.

Mas daí o tempo já era curtíssimo e o Roger em seus tênis prata foi obrigado a avisar: vai que é curto (o tempo, não o cano do tênis, que, aliás, era). Beto Brant quis encerrar ali mesmo, mas acabou falando uns minutos mais sobre o pintor mexicano Felipe Ehrenberg, que interpreta um pintor em Crime delicado, numa intrincada construção que embaralha as, perdão, fronteiras entre vida e arte. O depoimento de Ehrenberg é parte do filme. Após um terremoto no México, o artista abandonou seu atelier e foi ajudar no salvamento das vítimas, numa forma direta de ação. Depois de presenciar tanta violência, tanta morte, houve uma transformação em sua arte e ele foi buscar no erotismo (a celebração da vida através do sexo) sua inspiração. Algo semelhante tinha se passado com Beto Brant (rimou!) e ele agora voltava suas lentes pra outros lados. Pra dentro, quem sabe. Falou também, e com muito carinho, da experiência de imersão porto-alegrense de o Cão sem dono. Sugeriu que assistissem ao filme. Em versão pirata, que fosse. Afinal, apenas cinco mil pessoas o tinham visto nos cinemas da cidade em que foi rodado.

Em contraponto ao divagante primeiro palestrante, José Padilha era a eficiência, o pragmatismo e a precisão em pessoas, todas sob o mesmo boné. Água e vinho, sendo o Beto obviamente o vinho (José Padilha deve ser abstêmio). Com a bola toda, trazia no currículo o documentário Ônibius 174, considerado um dos melhores do gênero, e sua primeira obra de ficção, o filme-evento de 2007 (muito graças a uma ação de pirataria), Tropa de elite, que conquistou recentemente o Urso de Ouro no Festival de Berlim.

No telão, organogramas e esquemas comparativos resumiam o tema de sua fala. Planilha, quer dizer, Padilha explicou que ia falar de filmes que “representam a realidade” e não de filmes que “não representam a realidade”, categoria que ele exemplificou com obras de ficção científica. A realidade representada pelos filmes sobre os quais iria falar era a violência no Rio de Janeiro e os filmes, além dos seus, Notícias de uma guerra particular e Cidade de deus.

Na equação de Padilha, há quatro grupos sociais envolvidos no cerne da violência gerada por consumo e tráfico de drogas: usuários, traficantes, policiais e a polícia especial. O Estado se relaciona com todos os quatro grupos de formas diferentes, sendo condescendente com usuários e torturando pessoas como Sandro Nascimento, o personagem real de Ônibus 174. Para Padilha, não se trata de uma guerra particular porque não envolve apenas polícia e traficantes, mas cada um de nós. Não é a situação de miséria que provoca a violência, mas a ação nociva do Estado. Padilha prometeu um terceiro filme sobre o tema, que irá representar mais um grupo enredado na teia da violência: a classe política. Com a sutileza de um policial do Bope, antecipou o título da produção: Nunca antes na história desse país.

Ele revelou que constrói seus filmes (o que os diferenciaria de Notícias... e Cidade de deus) a partir de narradores que vivem o drama de dentro, num ponto de vista interno, em perspectiva distorcida da realidade. Prefere dar ao espectador o envolvimento emocional ao distanciamento crítico, e, pelo visto, o faz de forma bastante metódica. Normalmente são anos de pesquisas e entrevistas a fim de construir uma representação da realidade pela dramaturgia, segundo ele, isenta de julgamentos morais. Insistiu muito neste ponto, o de não fazer julgamentos morais. A ponto de me deixar desconfiado.

“Ninguém aqui tem mais autoridade moral e ética do que eu.”

Parecia dizer o Padilha, parafraseando mais uma vez o presidente da nação. E apontou o dedo pros maconheiros, lembrando que é deles a culpa pelas balas perdidas que matam criancinhas na guerra do tráfico.

“Sou favorável à liberação das drogas.”

E mais uma vez eu fiquei desconfiado (apesar de concordar que este seria o único final feliz possível pra Tropa de elite). No fundo, parecia que ele queria mesmo era ver os filhinhos-de-papai-cheiradores-de-pó sendo enrabados na prisão. Achei Tropa um bom filme de ação, mas lembro que o chamaram por aí de fascista.

A palestra foi aberta pra perguntas e eu pensei agora só piora. E a coisa foi num descendente até culminar com a última que, anônima e ingenuamente, indagava se os palestrantes poderiam falar de sua relação (“e do meio artístico”) com as drogas. O vinho, quer dizer, o Beto disse que isso era uma questão de livre arbítrio e cada um deveria fazer o que bem entendesse: é um direito pessoal usar ou não drogas.

“A primeira lei anti-drogas é a bíblia que proibiu a maçã”, brincou.

Padilha se colocou mais uma vez a favor da legalização, mas ressaltou a enorme falha moral que é fumar um baseado no Brasil.

“Um sujeito que fuma maconha plantada em casa é moralmente diferente de alguém que compra no morro.”

Dependendo do que planta, também pode ser mais chapado.

“Quem fuma maconha deve sair às ruas e protestar por seus direitos.”

E usou a expressão “dar a cara pra bater”, o que imediatamente me fez pensar num monte de maconheiro apanhando da polícia. As senhoras já se levantavam das cadeiras, quando Padilha finalizou:

“Ouvi dizer que sálvia também dá onda.”

Risadinhas entre a ala geriátrica e eu cá com meus buttons: e se desse, não proibiam?

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6 Comments:

Blogger Laura Peixoto said...

Ôi cara!
Tb escrevi sobre o Fronteiras de ontem... acho q a sensação foi a mesma...
Gostei do teu post, com paciência p explicar tudinho! Botei um link no meu texto p conferirem o teu.
Querendo ver, acessa: http://www.laurapeixoto.com.br/uvaledotaq.html

Abraço!

1:28 PM  
Blogger beijao said...

achei muito bom... essas palestras são legais no fim das contas... minha irmã tá fazendo também!
Próxima vez que vcs vierem espero que eu esteja por aqui tb

11:11 AM  
Anonymous Anônimo said...

sem dúvida ele tava falando da sálvia divinorum e não da sálvia de cozinha... !oi!...

e padilha dizendo que filmes de ficção científica não representam a realidade foi, no mínimo, patético. no mais, curti a exposição dele.

2:03 PM  
Blogger Fabio Godoh said...

Este comentário foi removido pelo autor.

7:15 PM  
Blogger Fabio Godoh said...

Olha, eu pensava que Beto Brant fosse apenas analfabeto. Mas mudei rapidamente de opinião: Beto Brant, além de analfabeto, é cretino. Tão cretino como a cara cretina do mais cretino dos débeis-mentais. E digo mais, Beto Brant transforma cinema em atestado de óbito. Ele, que se acha um "intuitivo genial", me lembra, em paráfrase, a observação de Eliot sobre Henry James: "Uma cabeça tão resistente que nenhuma idéia é capaz de violá-la". Por isso, eu assevero: Beto Brant é a ignorância mais bem paga do Brasil. Ignorância feliz, bem nutrida, vaidosa, vitoriosa, arrotadora e peidorreira.

Ass. Fabio Godoh

7:18 PM  
Blogger [ob]scenes said...

cara ... meu coment é o seguinte :


não exite all star prata cano longo!


hahauhahaiu

chegou ao final o conto do garagem ?!


abraço!

10:27 PM  

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